“Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” Gosto tanto da frase de Tolstói que a escolhi, junto com o mais que co-autor Ricardo Mioto, para abrir o livro “Princípios do Estrategista”. Com uma ligeira adaptação, claro. Ficou algo como: “todos os investidores de sucesso se parecem; cada fracassado encontra a pobreza à sua maneira.”
Os prejuízos e as crises financeiras têm suas particularidades. Esse, aliás, é um problema importante nas finanças, porque partimos de tendências passadas para tentar entender o futuro. Quando chega a crise, as correlações pretéritas são perdidas. O que deveria funcionar como hedge passa a caminhar na mesma direção do restante da carteira e – boom! Na crise, quando você mais precisava do dinheiro, as coisas andam em sentidos inesperados. A tragédia do clássico portfólio 60/40 em 2022, quando ações e bonds caíram ao mesmo tempo e com intensidade, é exemplo emblemático do argumento.
O que muitos modelos tratam como parâmetros (em especial, as correlações entre os ativos), na prática, se mostram variáveis com comportamento estocástico. Há duas potenciais quebras de correlação me chamando atenção neste momento, com possível efeito sobre conclusões de alocação eficiente do capital.
A primeira delas se refere ao comportamento entre o bitcoin e os demais ativos de risco. Historicamente, fora das discussões apaixonadas dos criptolovers, a Academia tratou as moedas digitais como ativos de risco. A conversa de “safe haven” ou “digital gold” ficava restrita aos fanáticos dessa religião. Veja: isso não era necessariamente uma crítica ao bitcoin. Havia, sim, artigos acadêmicos, mesmo divulgados por universidades consideradas ortodoxas e renomadas, defendendo a inclusão das criptomoedas em portfólios diversificados. Mas isso se deve pela sua descorrelação com os demais ativos – não por uma correlação negativa ou como um ativo seguro, mais parecido com o comportamento do ouro. Nós mesmos replicamos o exercício para um Palavra do Estrategista antigo, chegando à conclusão de que, sob a ótica clássica da Fronteira Eficiente de Markowitz, a introdução do bitcoin em portfólios diversificados, a partir de posições necessariamente pequenas, implicava preservação de retorno potencial e redução do risco consolidado da carteira.
Existe um componente novo nessa crise. Pela primeira vez, o bitcoin tem assumido um comportamento diferente, mostrando uma correlação alta com o ouro. De maneira inédita, a criptomoeda vem, sim, se mostrando um hedge interessante, sobretudo para os momentos em que se eleva a preocupação com a saúde do sistema financeiro norte-americano. Esclarecimento importante: essa não é uma observação sobre o futuro. Não estou afirmando que essa nova característica do bitcoin veio para ficar. É apenas uma afirmação factual, sobre o que já aconteceu e vem acontecendo, objetivamente.
Claro que pode ser algo circunstancial. De maneira geral, as criptomoedas foram criadas como uma reação à crise de 2008, formalmente em 31 de outubro de 2008, 45 dias depois da quebra da Lehman. Era uma resposta ao medo do colapso do sistema financeiro norte-americano, ao risco de contraparte, à preocupação com a centralização das finanças e à enorme incerteza ali criada. As finanças descentralizadas seriam a resposta à falência do sistema financeiro tradicional.
Não seria, portanto, surpreendente que, numa nova crise bancária, as criptomoedas pudessem se destacar de maneira positiva. Claro que há diferenças entre essa crise e aquela de 2008. A alavancagem dos bancos grandes está entre 5x a 6x, enquanto ultrapassava 30x no caso da Lehman. Não há uma crise de crédito sistêmica, o que reduz muito as chances de uma grave crise bancária. Mas os bancos regionais parecem, cada um à sua maneira, com seríssimos problemas de descasamento de fluxos. Daí vem um banco, dois, três… onde para? Quantos podem ser salvos? E como fica a questão do crédito imobiliário? Se real estate vier a ser afetado, a crise não muda de patamar?
O ponto central da argumentação é que criptomoedas viraram um palavrão em 2022. Agora, se, de fato, vierem a confirmar seu status de hedge contra a crise atual, podem entrar num novo momento. O modelo está sendo formalmente testado, num ambiente de juros altos. Passar no teste pode ser a marca definitiva sobre levar a sério ou não essa história.
Minha outra questão é mais tupiniquim mesmo. As últimas semanas trouxeram significativo fechamento da curva de juros e boa apreciação cambial. Enquanto isso, a Bolsa não andou – o Ibovespa ainda cai 4% no ano. O gestor João Braga, da Encore, sintetizou muito bem o ponto em vídeo mensal em seu canal do Youtube, ao mostrar como são raros momentos em que o juro futuro está tão baixo e a Bolsa tão barata.
Claro que há motivos para essa quebra de correlação entre juro futuro e bolsa. O primeiro deles poderia se ligar a uma queda das commodities, que empurra para baixo nomes com grande peso no Ibovespa – existe esse elemento, mas quando olhamos para o SMLL, que cai 5,38% no ano e não tem tanto esse efeito, pensamos que a explicação está, no mínimo, incompleta. A desconfiança com a política econômica e seus impactos micro, sobretudo no que se refere ao uso da caixa de ferramentas tributárias e fiscais, certamente pesa sobre as ações. A Bolsa parece muito barata, mas, na verdade, poderia ser um “value trap”, caso o governo decida mesmo rever créditos fiscais de ICMS, elevar alíquotas de IR e CSLL ou coisas parecidas.
A solução seria fugir da Bolsa, portanto? Não vejo assim. Há empresas de altíssima qualidade, baratas e que conseguem atravessar bem qualquer tipo de clima, até mesmo a “criatividade" e a fome do Leviatã.
Na crise, as oportunidades migram na direção dos detentores de capital. Vejam o que Itaú (BVMF:ITUB4) e BTG Pactual (BVMF:BPAC11) acabaram de fazer. Números muito fortes mesmo num trimestre especialmente desafiador. Algumas correlações seguem firmes no “All Weather Portfolio”, de Ray Dalio. Suspeito que bons times e forte poder da franchises ainda contêm.