Por Lisandra Paraguassu e Leonardo Goy
BRASÍLIA (Reuters) - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki suspendeu o mandato de deputado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em decisão liminar concedida nesta quinta-feira, argumentando que a medida é necessária para neutralizar riscos apontados pela Procuradoria-Geral da República de interferência em investigações contra ele.
O governo aproveitou a decisão de Teori para martelar a tese de que o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff em andamento no Congresso é viciado por ter sido aceito por Cunha como vingança contra a petista.
A liminar foi dada pelo ministro relator das ações decorrentes da operação Lava Jato no STF e se refere a pedido feito em dezembro pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, requisitando o afastamento de Cunha do mandato e, consequentemente, da presidência da Câmara.
"Mesmo que não haja previsão específica, com assento constitucional, a respeito do afastamento, pela jurisdição criminal, de parlamentares do exercício de seu mandato, ou a imposição de afastamento do presidente da Câmara dos Deputados quando o seu ocupante venha a ser processado criminalmente, está demonstrado que, no caso, ambas se fazem claramente devidas", afirmou Teori em seu despacho.
A reação do governo foi rápida. Para o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União (AGU), a decisão desta manhã é a demonstração do "modus operandi" de Cunha e "confirma a nossa tese".
"A decisão do Supremo mostra clarissimamente e de forma indiscutível que Eduardo Cunha agiu em desvio de poder. Agia para obstaculizar a sua própria investigação. É o que aconteceu no processo do impeachment", disse Cardozo a jornalistas, antes da sessão da comissão especial do impeachment no Senado onde iria fazer nova defesa de Dilma.
Entre os auxiliares mais próximos da presidente o clima de satisfação se misturava a uma certa revolta pela decisão não ter sido tomada antes.
Adversário do governo, Cunha teve papel-chave no pedido de impeachment em tramitação, ao aceitá-lo e depois presidir a sessão da Câmara que autorizou a abertura de processo.
Para o vice-líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), se ratificado pelo plenário do Supremo, o afastamento de Cunha será usado como argumento para pedir a nulidade do processo de impeachment, já que desse modo o tribunal reconhece que ele não tinha condições de presidir a Câmara por abusos que vinha cometendo.
"Dentre esses abusos, esteve a abertura do processo de impeachment, em que ele por retaliação, no momento em que o PT decide votar contra o interesse de Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara, abre o processo", disse Fontana a jornalistas.
De acordo com o STF, a decisão de Teori suspende Cunha do exercício do mandato, mas o parlamentar mantém as prerrogativas de deputado, inclusive o foro privilegiado.
Segundo um especialista no regimento da Câmara, que falou sob a condição de anonimato, o ineditismo da decisão do STF acaba gerando mais de uma interpretação possível sobre os próximos passos.
O especialista diz que "não é absurda" a interpretação, que já estaria sendo feita por aliados de Cunha, de que a decisão sobre seu afastamento teria de ser ratificada pelo plenário da Câmara. O argumento para isso é que a Constituição reserva aos detentores de mandatos populares (no caso, os deputados) a prerrogativa de deliberar sobre a perda de um mandato parlamentar. Mas a questão gera dúvidas, já que a liminar fala apenas em afastamento.
"Haverá polêmica, pois muitos também interpretam que, por ser decisão judicial, tem de ser cumprida mesmo sem a ratificação (da Câmara)", disse a fonte.
LINHA SUCESSÓRIA
O afastamento de Cunha foi determinado por Teori no mesmo dia em que o plenário do STF tem na pauta julgamento de um pedido do partido Rede Sustentabilidade para tirar Cunha do cargo de presidente da Câmara por estar na linha sucessória da Presidência da República.[nL2N1812AZ]
O julgamento da ação da Rede deve ser mantido para a sessão da tarde desta quinta, e Teori também pode levar para a análise do plenário a liminar concedida por ele afastando Cunha do mandato, de acordo com a fonte do Supremo.
Cunha, que foi notificado da decisão de Teori nesta manhã, é réu no STF, em decisão unânime, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro sob acusação de integrar o esquema de corrupção na Petrobras (SA:PETR4) investigado pela Lava Jato. Ele é acusado de ter recebido ao menos 5 milhões de dólares de propina.
No pedido de afastamento de Cunha do mandato e da presidência da Câmara, Janot alegou que o deputado usa seu mandato para interesse próprio e fins ilícitos, e que o afastamento é necessário para a garantia da ordem pública e regularidades dos procedimento criminais a que Cunha responde no STF.
De acordo com a Procuradoria, documentos apreendidos pela Lava Jato quando a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em residências de Cunha, inclusive na residência oficial da presidência da Câmara, reforçaram as provas já apresentadas pelo órgão contra o parlamentar.
Com o afastamento de Cunha, o primeiro vice-presidente da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA), assumirá a presidência da Casa. Maranhão também está entre os políticos investigados na Lava Jato.
Segundo o especialista ouvido pela Reuters, só haverá nova eleição para a presidência da Câmara em caso de cassação de Cunha antes do fim de novembro deste ano.
Além de ser réu no Supremo, Cunha enfrenta um processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar por ter mentido sobre a existência de contas no exterior, em depoimento à CPI da Petrobras. O processo, que se arrasta há seis meses, agora deve andar mais rápido, já que o presidente da Câmara vinha usando o regimento da Casa e outras manobras para protelar uma decisão.
(Reportagem adiconal de Pedro Fonseca, no Rio de Janeiro)