Arena do Pavini - Diz o ditado que Deus criou o câmbio para ensinar humildade aos economistas, pois é impossível prever com precisão seu comportamento. Aliás, a previsão deveria ser evitada para qualquer variável econômica, já que todas se baseiam no que ocorreu no passado, e acreditar que os fatos se repetem da mesma forma é uma temeridade. Por isso, não espere encontrar aqui a resposta sobre “quanto vai estar o dólar daqui um ano, um mês ou um dia”. Mas é possível definir alguns cenários que podem ajudar a decidir se é melhor sair comprando a moeda ou esperar um pouco mais.
A primeira questão é se a alta do dólar de R$ 3,20 do começo do ano para R$ 3,50 é uma mudança de patamar, ou seja, veio para ficar. Para isso, é preciso avaliar os motivos que levaram a moeda a subir tanto. A explicação mais comum seria que a alta veio da procura por compra de dólar para mandar o dinheiro para fora do país. Mas os fluxos de remessas não subiram tanto assim, e o Banco Central (BC), que sempre busca atuar quando há desequilíbrios, como uma grande procura sem vendedores, vem se mantendo fora do mercado. Mas, se o dinheiro não está saindo, o que está puxando o dólar?
Busca por proteção puxa o dólar
A explicação está nos mercados futuros de câmbio. Com a incerteza sobre se os juros vão subir mais nos Estados Unidos lá fora, os investidores estrangeiros que têm investimentos em bolsa ou juros no Brasil estão se protegendo, comprando dólar no mercado futuro. Como a bolsa vai no sentido contrário do dólar em geral, a moeda americana serve de proteção para uma reversão e permite que esses investidores mantenham suas apostas aqui. Isso explica também por que o Índice Bovespa, apesar de toda instabilidade, ainda se mantém nos 86 mil pontos.
Outro fator que justifica a alta do dólar é o juro baixo no Brasil. Com a taxa em 6,50% ao ano e o juro americano de 10 anos em 3%, o diferencial caiu para 3,5%, sem contar a inflação dos dois países, e pode cair mais se a taxa for reduzida para 6,25%. Isso reduz o custo de oportunidade de mandar o dinheiro para fora para aplicar no papel de uma empresa brasileira de baixo risco que pague juros de 5% ao ano em dólar. Mas, vale lembrar, o dinheiro não está saindo.
Moeda está acima do valor justo, estima MCM
Segundo a MCM Consultores, o dólar está acima do que os modelos matemáticos indicariam, considerando o preço das commodities, o risco-Brasil, os juros dos papéis americanos e uma cesta de moedas. E, apesar de todas as moedas de emergentes terem se desvalorizado diante do dólar, o real perdeu mais valor.
A consultoria diz que não sabe com precisão ainda o que justifica esta diferença entre a taxa de câmbio “justa”, extraída do modelo, e a cotação do mercado, mas o principal suspeito é o crescimento da demanda por hedge cambial. Segundo dados da B3, a posição cambial comprada em dólares dos investidores institucionais estrangeiros no mercado futuro teve uma alta expressiva de quase US$ 9 bilhões desde o início de abril. Ao mesmo tempo, a posição vendida em dólares dos investidores institucionais nacionais caiu quase US$ 800 milhões.
O equilíbrio no mercado futuro tem sido alcançado com a redução da posição comprada de dólares dos bancos e de outras pessoas jurídicas financeiras no mercado futuro. E esta redução no mercado futuro pode estar sendo compensada pela compra de dólares no mercado à vista, gerando uma pressão atípica sobre a taxa de câmbio e, dessa forma, realimentando a demanda por hedge.
Nível atual pode continuar por um bom tempo
A MCM estima que o dólar está 3% acima do preço “justo”, mas não acha que a moeda vai caminhar para o valor “correto” mais cedo ou mais tarde. “Descolamentos desse tipo são relativamente frequentes e, em diversas ocasiões, persistente”, alerta. Ou seja, o dólar pode ficar nos R$ 3,50 ainda por um bom tempo. Mas, a disposição do Banco Central de “evitar qualquer dinâmica perversa” no mercado, segundo as palavras do seu presidente, sugere que não é pequena a possibilidade de fechamento, ao menos parcial, desse gap, estima a consultoria.
Além disso, é possível que parte da recente alta da taxa dos títulos americanos seja revertida também, por ter sido impulsionada possivelmente por um passageiro aumento da oferta de títulos do Tesouro ao mercado e/ou um temor exagerado com a inflação. Assim, embora o “ponto de equilíbrio” do real pareça estar, de fato, a caminho de um novo nível, a MCM decidiu não mudar a projeção para o dólar para o fim do ano, “por ora, não”.
Questão global, mas o que manda mesmo é a eleição
A alta do dólar tem uma questão global clara, com a moeda americana ganhando em relação aos emergentes em geral, afirma Evandro Buccini, economista-chefe da Rio Bravo Investimentos. Em termos de câmbio, o Brasil está hoje junto com os piores do mundo pela incerteza com as eleições, ao lado de Irã com o debate do programa nuclear e a Turquia, por sua instabilidade política.E os estrangeiros resolveram procurar proteção (hedge), que foi o que pressionou a moeda. “Eles continuaram entrando na bolsa, como mostra o saldo de R$ 3 bilhões no mês, mas fazendo hedge, tanto que saída de dólares não foi tão grande e, se fosse, o BC atuaria”, diz.
Apesar disso, a situação do BC brasileiro é confortável. A economia segue fraca, a inflação está rodando perto de 3%, no piso da meta, e a projeção para o ano que vem está em 4%, o que até permitiria ao BC deixar o dólar subir um pouco.
Visão mais clara, só em junho
Mas o comportamento da moeda brasileira vai depender mesmo da eleição presidencial, ou seja, do imponderável, e que ficou mais complicado há algumas semanas com entrada do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa na corrida e as decisões estranhas do Supremo sobre a prisão do ex-presidente Lula. “A visão da Rio Bravo era do real se valorizar este ano, mas, pela queda mais forte do diferencial dos juros, que adiciona novo ingrediente, quase inédito, isso pode mudar um pouco”, diz. Mas mesmo esse cenário de juro mais baixo, para se manter por um período mais longo, também depende da eleição e da política econômica do novo governo. “E só vamos ter alguma definição inicial em junho, julho, mais perto das candidaturas”, diz.
Apesar da alta, o dólar não impactou tanto a economia, avalia Buccini. A expectativa é com os preços dos combustíveis, que pela nova política da Petrobras (SA:PETR4), de reajustes pelos preços internacionais em dólar, podem aumentar a inflação ou criar maiores oscilações. Mas, como a economia ainda está fraca, o espaço para repasse desses aumentos para outros preços também é limitado, observa. E o cenário econômico continua, portanto, de queda dos juros e inflação sob controle com crescimento baixo.
Com isso, a gestora continua com aposta grande em juros e pequena em bolsa e câmbio. “O juro tem fundamento e a bolsa é para quem tem estômago, mas tem algum espaço para ganhar, menor que no começo do ano”, diz. Já o dólar é difícil dizer para onde vai. “Não é o momento para grandes apostas, mas acho que no fim do ano ele vai estar mais baixo, abaixo de R$ 3,40, mas tudo vai depender das eleições e da capacidade do novo presidente, que terá de começar já fazendo um grande ajuste fiscal, ao contrário de Lula”, diz.
Bradesco: cenário é de maior volatilidade
Já o Bradesco (SA:BBDC4) lembra que o país está diante de um cenário de maior volatilidade nos próximos meses para a taxa de câmbio, seja por fatores externos, seja pelos domésticos. “Pelo visto, as tensões comerciais globais vieram para ficar, por mais que tenha ocorrido algum abrandamento”, diz o banco em relatório.
Além disso, é preciso acompanhar como o mercado reagirá a uma potencial desaceleração cíclica do crescimento global. “Acreditamos que a economia mundial exibirá expansão ainda robusta nos próximos trimestres, mas certamente o forte ritmo observado no segundo semestre de 2017 não deverá se repetir, principalmente após a desaceleração já verificada no primeiro trimestre de 2018″, afirma o Bradesco. Além disso, há a alta recente dos juros americanos, com impacto nos ativos de risco. O diferencial de juros mais baixo da economia brasileira é um fator estrutural que não deve ser alterado nos próximos meses de forma significativa, ainda que, na medida em que o crescimento ganhar tração, esse diferencial tende a perder relevância, em termos relativos, para os fluxos de divisas, especialmente se a agenda de ajuste fiscal for retomada.
Reservas e contas externas tendem a limitar alta
“Diante desses elementos, acreditamos que nosso cenário para a taxa de câmbio, de R$/US$ 3,20 ao final deste ano, está mais incerto, principalmente incorporando os riscos externos já discutidos, que parecem ser, de fato, mais permanentes”, diz o Bradesco. Ainda assim, a robustez das contas externas do país – evidenciada no elevado nível de reservas internacionais, no baixo estoque de swaps cambiais, no reduzido déficit em conta corrente e na significativa melhora na posição externa de muitas empresas – tende a limitar uma depreciação elevada nos próximos meses, acredita o banco.
Calma e cautela na compra
Ou seja, há fatores que podem levar o dólar a subir mais por alguns momentos, mas também elementos que podem segurar essa alta, evitando uma disparada, caso das reservas e das contas externas. Mas o fator fundamental para o comportamento do dólar será a eleição presidencial. Se o candidato eleito não levar adiante as reformas e o ajuste fiscal, as condições para o real vão piorar muito mais, como já se viu na eleição de Lula em 2002, quando o dólar chegou a R$ 4,00 e depois voltou diante de medidas econômicas corretas. Para o investidor, o ideal é manter a calma, evitar especular, comprar o absolutamente necessário se precisar viajar aproveitando os momentos de calmaria do mercado e evitando os momentos de maior nervosismo.