Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Casos recentes de comercializadoras de energia que descumpriram contratos evidenciam a necessidade de melhorias no mercado de eletricidade, com processos mais rigorosos antes da entrada de agentes no setor e uma maior celeridade no desligamento dos que não cumprem as obrigações, disse à Reuters o chefe da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Rui Altieri, que foi reeleito em abril para novo mandato como presidente do conselho da CCEE, disse que essas medidas constam de propostas para aumentar a segurança no mercado de energia que serão apresentadas em workshop da instituição no dia 22, que contará ainda com representantes do Ministério de Minas e Energia e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
"A primeira frente é reavaliar os critérios de adesão, de entrada. Hoje uma comercializadora passa por todo um rito para a entrada no mercado, e nós vamos reavaliar", afirmou ele, defendendo também um novo e mais rigoroso processo para avaliar eventuais mudanças de sócios das empresas.
"O segundo ponto é melhorar os critérios de saída, de desligamento. Nós, particularmente, achamos que há um espaço enorme para evolução", acrescentou Altieri.
Ele explicou que agentes que deixam de aportar garantias financeiras referentes a seus contratos de venda têm os negócios suspensos na hora da liquidação das operações, mas só entram em processo de desligamento --na prática uma expulsão do mercado-- caso deixem de realizar o aporte por três vezes seguidas.
"Achamos que isso é muito, queremos reavaliar e encurtar essas questões", defendeu o presidente da CCEE.
A instituição, responsável pela operacionalização do mercado elétrico, ainda pretende passar a divulgar indicadores que sinalizem para os agentes de mercado a situação das empresas do setor.
Ele acrescentou que a CCEE pretende divulgar os indicadores tão logo eles estejam prontos, ainda neste ano, enquanto as outras medidas para aprimoramento do mercado entrarão em vigor em 2020.
Outra proposta que faz parte do pacote é a realização de chamadas semanais de margem para os agentes de mercado a partir do ano que vem, o que visa reduzir o risco a que as empresas ficam expostas na liquidação financeira mensal.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já havia afirmado que avaliava implementar a chamada de margem semanal a partir de 2020, conforme publicado pela Reuters em abril.
Segundo Altieri, a tensão gerada por dificuldades de algumas comercializadoras no início do ano deixou como saldo atual uma empresa em processo de desligamento do mercado e cinco em "operação assistida" --quando o agente é monitorado pela CCEE e só pode fechar novos contratos se estes não aumentarem sua exposição financeira negativa.
As empresas em operação assistida são as comercializadoras Vega, Lumen, Linkx, FDR Energia e 3G, enquanto a Negocial Energia está em fase de desligamento.
"Nós não temos hoje uma percepção de que isso vai aumentar. Talvez tenha alguma coisa, mas não é de grande monta... os piores momentos foram fevereiro, março, e talvez alguma coisa ainda em abril", afirmou Altieri.
A onda de problemas em algumas comercializadoras veio após uma brusca virada de tendência nos preços da energia no mercado. Enquanto muitos agentes apostavam em valores baixos no primeiro trimestre, uma falta de chuva na região das hidrelétricas brasileiras levou as cotações a dispararem no início do ano.
A CCEE já liquidou financeiramente as operações realizadas até março, sendo que as transações de abril serão liquidadas no início do próximo mês.
ENERGIA DE RESERVA
Em paralelo, a CCEE participa de discussões junto ao governo sobre como resolver um persistente déficit de geração das hidrelétricas do país, causado entre outros motivos por um baixo nível dos reservatórios nos últimos anos.
Segundo Altieri, a maior parte do problema decorre da hidrologia desfavorável, mas uma parcela da frustração na produção hídrica tem origem em outros fatores, como a chamada energia de reserva.
O governo realizou no passado diversos leilões para contratar usinas de energia de reserva, que visam reduzir riscos na oferta de energia.
Mas a CCEE avalia que as usinas contratadas nessa modalidade --principalmente renováveis, como parques eólicos e solares-- "deslocam" a geração hídrica, aumentando o déficit das usinas da fonte.
"A hidrologia irá normalizar. Quando, não sabemos dizer, Mas na nossa avaliação tem que se tratar essa questão da energia de reserva", defendeu Altieri.
Ele estimou que entre 4% e 5% do déficit hídrico está associado à geração de reserva, o que pode variar de ano a ano.
A proposta da CCEE para resolver a questão é fazer com que a energia contratada como reserva passe a constar do portfólio de contratos das distribuidoras, gerando lastro de contratação para elas, o que hoje não acontece.
A entrada dessa energia no portfólio das distribuidoras, no entanto, reduziria a necessidade de contratação de novas usinas, o que precisaria ser administrado com cuidado, segundo Altieri.
"A questão é como transformar os 4 mil megawatts médios (existentes em energia de reserva) em lastro. Aí tem que ter uma agenda. Tem que ser paulatinamente, de maneira contínua, mas gradual", afirmou ele.
"Se você fizer isso imediatamente, vai reduzir ou inibir a expansão da oferta, porque não vai ter mercado para tudo isso (em energia). E não é razoável, tem que continuar havendo leilões (de contratação de novas usinas) para se movimentar a indústria. Então tem que fazer de forma paulatina, de forma criteriosa".