Por Jake Spring
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, será exonerado do cargo após a polêmica com o presidente Jair Bolsonaro em torno de dados de desmatamento da Amazônia, informou o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
"O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) informa que o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, será desligado do cargo de diretor do Instituto, conforme anunciado por ele em pronunciamento à imprensa na manhã desta sexta-feira", afirmou a pasta em nota.
"O MCTIC agradece a Ricardo Galvão pelo profissionalismo à frente do instituto, pela condução dos projetos que gerenciou e também destaca o seu alto gabarito e currículo exemplar. O ministro Marcos Pontes afirma que o Inpe é um instituto de grande relevância para a sociedade brasileira, com imenso prestígio no Brasil e exterior, mantendo seu compromisso com as pesquisas e projetos que desenvolve."
Segundo o comunicado, o substituto de Galvão "se dará de acordo com o mérito necessário ao cargo".
O próprio Galvão comentou a decisão a jornalistas antes da divulgação da nota do ministério, afirmando que a situação ficou insustentável por conta de sua declarações quando Bolsonaro disse que os dados do Inpe sobre desmatamento da Amazônia eram mentirosos.
"Eu tinha uma preocupação muito grande que isso ia respingar no Inpe. Isso não vai acontecer. O ministro inclusive, nós discutimos em detalhe como vai ser a continuação da administração do Inpe, agora é claro, diante do fato, a maneira como eu me manifestei com relação ao presidente, criou-se um constrangimento que é insustentável. Então eu serei exonerado", disse Galvão nesta sexta-feira.
"Ele (Pontes) concorda inteiramente com os dados do Inpe, ele sabe como são os dados do Inpe. Foi só uma questão simples de comunicação que houve e que nós esperamos corrigir. Nós temos que aprender com os erros e temos que corrigir no futuro", acrescentou Galvão.
A exoneração de Galvão foi criticada por parlamentares contrários ao governo Bolsonaro e o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que a medida faz parte de uma "escalada autoritária" do presidente, que nas últimas semanas tem feito uma série de declarações controversas.
"Estamos acompanhando uma escalada autoritária de Jair Bolsonaro. Ele não aceita ser contrariado, mesmo quando há fatos científicos comprovando que ele está errado. Este foi o caso do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais sobre o desmatamento da Amazônia", disse Molon, segundo nota divulgada por sua assessoria.
"A forma como tem conduzido a sua política ambiental tem consequências graves, que não afetam apenas o meio ambiente, mas também a economia e a qualidade de vida das pessoas --no Brasil e no mundo também."
A informação de que o desmatamento da Amazônia havia saltado 88% em junho deste ano na comparação com igual período de 2018, baseada em dados do sistema de monitoramento Deter, do Inpe, irritou Bolsonaro que, em entrevista a correspondentes estrangeiros no mês passado, disse que os dados eram mentirosos e que o presidente do Inpe poderia estar a serviço de organizações não governamentais.
Galvão rebateu o presidente também de forma dura, classificando a atitude de Bolsonaro de "pusilânime e covarde". Ele disse, ainda, à ocasião, que a intenção do presidente era de que ele pedisse demissão do posto, mas que ele não faria isso e desafiou Bolsonaro a repetir as declarações pessoalmente.
Na quinta-feira, Bolsonaro deu uma entrevista coletiva ao lado do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em que reconheceu que o desmatamento da Amazônia está em alta, mas não nos patamares indicados pelo Inpe. Ele afirmou, ainda, que a divulgação de notícias sobre meio ambiente que, segundo ele, não condizem com a verdade, prejudicam o Brasil no exterior, especialmente na assinatura de acordos.
Na mesma entrevista, Salles afirmou que o desmatamento da Amazônia está crescendo desde 2012, mas também disse que a informação de alta de 88% em junho não é verdade, embora não tenha estimado qual seria o percentual real. O ministro argumentou que o Deter não serve para avaliar o desmatamento mês a mês.
Salles anunciou que será aberta uma licitação para contratar um novo sistema de monitoramento e disse que o Deter seguirá sendo usado para alertas de desmatamento em tempo real no auxílio à fiscalização.
Ele apontou o sistema Prodes, também do Inpe e que há décadas avalia o desmatamento da Amazônia no período de 12 meses de agosto de um ano a julho do ano seguinte como a métrica mais adequada para aferir a perda florestal amazônica.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões e Laís Martins, em São Paulo, e de Anthony Boadle, em Brasília)