Alberto Masegosa.
Nova Délhi, 28 ago (EFE).- O ativista Anna Hazare acabou neste domingo com a greve de fome que fazia há 12 dias em Nova Délhi, depois do anúncio de que o Parlamento indiano acatará sua exigência de reforçar a luta contra a corrupção, algo sem precedentes no país.
Hazare pôs fim ao seu protesto após o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, enviasse uma carta comunicando que a Câmara acatava sua reivindicação, postura que a imprensa local interpreta como uma vitória histórica da sociedade civil sobre a classe política.
Após receber no sábado à noite a carta - na qual Singh garantia que "a vontade do Parlamento é a do povo", que até então rejeitava plenamente seu pedido -, o ativista bebeu nesta manhã um copo de água de coco misturada com mel oferecido por meninas.
Hazare agradeceu o apoio de milhares de pessoas reunidas com ele na praça central da capital indiana onde manteve seu jejum e ressaltou que sua ação foi um triunfo.
"Suspendo o jejum, mas não dou por concluído. A luta continuará até a aprovação do Lokpal (a lei anticorrupção)", disse o ativista, que exige abrangência nessa legislação de toda a classe administrativa, com aplicação em todo o país e inclua uma carta dos direitos dos cidadãos.
Entre cânticos de vitória de seus simpatizantes, Hazare foi levado para o hospital de Gurgaon (sul de Nova Délhi), onde permanecerá durante dois dias para ser submetido a exames devido à deterioração de seu estado de saúde.
Com 74 anos, Hazare perdeu sete quilos e sente-se extremamente fraco por causa da greve de fome. Nesses últimos dias só recebeu alimentação intravenosa.
Ele deu início a um protesto que despertou simpatia em massa e se estendeu pelas principais cidades indianas até se transformar na maior mobilização popular contra a corrupção desde a independência do país em 1947. Protesto que deve continuar no futuro com outro formato.
Segundo seus assessores, além da emenda à lei Lokpal, o ativista defende uma reforma na lei eleitoral, o que considera "o próximo passo" em uma campanha de moralização que pôs em xeque à classe dirigente e cujo desenvolvimento é incerto.
De inspiração em Mahatma Gandhi, Hazare conta, principalmente, com o apoio da classe média urbana de confissão hinduísta em um país onde a população rural é majoritária e no qual os representantes das principais minorias se mostraram críticos ao seu discurso.
Líderes sique, muçulmanos e dos chamados "dalits" (ou "intocáveis") - que ocupam a parte mais baixa no sistema de castas -, acusaram Hazare de defender só os interesses de hindus e de vínculos com os setores mais extremistas dessa comunidade.
Antigo militar, Hazare iniciou sua carreira como ativista no povoado de Ralegan Siddhi, no oeste indiano e onde impôs uma autoridade denominada "de consenso" com o argumento de que "as eleições trazem política partidária, e destroem a unidade".
Após proibir - por "consenso" - o consumo de álcool em Ralegan Siddhi, Hazare e seus seguidores chegaram, em algumas ocasiões, a amarrar às colunas dos templos bêbados, relatou o escritor Mukul Sharma, em um livro que lançará em breve.
À incógnita que coloca a possibilidade que Hazare imponha posições dessa natureza em maior escala soma-se a incerteza sobre a repercussão que terá esta primeira vitória do ativista em sua queda-de-braço com o poder político no sistema institucional.
Singh cedeu no sábado à reivindicação de Hazare após um acalorado debate parlamentar em que todos os partidos quiseram deixar claro que a soberania popular só descansa nas instituições eleitas democraticamente, e que não aceitam outro tipo de representação.
Mas todos acabaram acatando a exigência de Hazare diante do risco de que a situação escapasse ao controle.
O panorama que ofereceu a Índia nos últimos 12 dias levou alguns observadores estrangeiros a comparar o "fenômeno Hazare" com a primavera árabe, por tratar-se de um movimento social que se rebelou contra as instituições.
Em declarações a Efe, o analista indiano Tarun Basu mostrou, no entanto, seu desacordo.
Basu lembrou que na Índia existe corrupção, mas também a possibilidade de denúncia, e que "apesar de todas as contradições, complexidades e caos inerente" trata-se de um país que, com 1,2 bilhão de habitantes, é a maior democracia do mundo. EFE