Por Maria Carolina Marcello e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Pressionado na esfera judicial, o presidente Jair Bolsonaro vê-se cada vez mais acossado e investe no chamado centrão para a consolidação de uma base no Congresso que garanta sua sobrevivência, mas nem governistas e nem as demais forças políticas são capazes de cravar, com exatidão, o número de votos aliados ao Planalto.
Bolsonaro vem ensaiando uma "trégua" com o Judiciário, mas ela tem esbarrado, justamente, nos desdobramentos de investigações que o envolvem diretamente ou aliados dele. Por isso mesmo, interessa tanto ao chefe do Executivo criar um colchão de segurança no Parlamento, onde pode ser alvo de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), de um processo de impeachment, possibilidade por ora distante, ou mesmo de uma possível, embora improvável, denúncia eventualmente oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao final do inquérito que investiga uma suposta interferência na Polícia Federal.
Por enquanto, avalia fonte parlamentar que acompanha de perto as movimentações, o suspense em torno do tamanho dessa base de apoio interessa tanto ao lado identificado com o governo, quanto ao grupo mais próximo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ambos têm evitado votações que possam deixar claro quantos são os deputados aliados a Bolsonaro, seja para evitar perda de capital político, no caso de Maia e seu entorno, seja para manter as negociações de apoio, que envolvem cargos e liberação de recursos, do lado do chamado centrão.
Para o deputado Fábio Trad (PSD-MS), "só o tempo dirá" como essas duas principais forças políticas irão se comportar nos próximos dias.
"O governo precisa do centrão para se estabilizar politicamente no Legislativo", disse o deputado à Reuters, lembrando que o apoio do grupo político está diretamente ligado à popularidade do governo.
"Ocorre que o limite político do centrão não ultrapassa o apelo popular. Por isso, tudo depende da base do governo perante a população. Se estiver ainda com relativa margem de segurança, continuará remando sem o risco concreto de naufrágio", avaliou Trad.
Na avaliação da fonte parlamentar ouvida pela Reuters, o governo não chega a ter 257 votos na Câmara. E é justamente essa incerteza sobre o número que pode fazer o apoio desse grupo, "insaciável" na avaliação desse parlamentar, custar caro.
RECADO
Ainda que estejam evitando se debruçar sobre temas que possam desvelar o tamanho da base e as estratégias das forças políticas envolvidas, a Câmara pode abordar temas intensos, e isso se deve, em grande parte à boa vontade do centrão para adentrar nesses assuntos.
Se até o fim da última semana a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que adia as eleições municipais de outubro para novembro por conta da pandemia de Covid-19 não contava com votos suficientes para ser aprovada na Câmara, o cenário mudou e aumentaram as chances de ela ser votada.
Maior parte dos líderes do centrão ajustou sua opinião e topa votar a proposta, já aprovada pelos senadores. A negociação para a recomposição de aproximadamente 5 bilhões de reais a municípios e mudanças nas regras de tempo político na TV deram um ânimo e a PEC ganhou força.
O clima é outro, mas isso não quer dizer que a PEC será automaticamente aprovada, avalia a fonte parlamentar, que identifica possível rebeldia dos liderados pelos grandes nomes do centrão. Segundo essa fonte, há uma frustração acumulada com as negociações em curso, que resultam em benefícios concentrados aos líderes, e "migalhas" aos demais deputados.
A votação da PEC pode servir, portanto, como um meio para esses deputados da base mandarem um recado a seus líderes.
DIÁLOGO
Um dos vice-líderes do governo na Câmara dos Deputados, José Rocha (PL-BA), por outro lado, encara os gestos do presidente Jair Bolsonaro como algo "muito positivo" .
Um dos motes de Bolsonaro era justamente o combate ao que chamava de "velha política", comumente identificada com práticas fisiológicas. Mas defensores dessa nova articulação do presidente, caso de Rocha, apontam que o diálogo é essencial para a democracia e comemoram a disposição de Bolsonaro em abrir essa frente com parlamentares.
"Deveria ter feito há mais tempo, perdeu muito tempo nesse tensionamento e agora entendeu que o diálogo é o maior tributo da democracia", afirmou.
Até mesmo Maia, em mais de uma ocasião, considerou positivo e legítimo os movimentos do governo em torno de uma articulação mais incisiva no Legislativo.
Para Rocha, essa iniciativa de Bolsonaro não tem a ver com as investigações sobre ele e seus aliados. O parlamentar acrescenta ainda que abertura para o diálogo político não tem relação com eventual favorecimento em julgamentos.
"Uma coisa não depende da outra", disse.
O vice-líder também avalia que o governo está sendo "bem-sucedido" na distribuição de cargos a indicados de partidos e de parlamentares, destacando que os deputados dependem muito da satisfação a suas bases. "A indicação do cargo é sinal de prestígio dos deputados", disse.
O deputado considera que não há risco de perda de mandato. Para ele, Bolsonaro tem um apoio considerável nas ruas.