Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Ao pedir demissão, o agora ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, acusou o presidente Jair Bolsonaro de ter a intenção de interferir em inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) e obter acesso a investigações e relatórios de inteligência da Polícia Federal, por meio de interferência política na instituição.
Em seu pronunciamento de despedida, Moro confirmou que foi chamado na véspera por Bolsonaro para ser avisado que o presidente iria demitir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Mais do que isso, revelou o agora ex-ministro, o presidente deixou claro que pretendia ter acesso a informações levantadas pela PF em investigações de seu interesse, algo que nem o ministro da Justiça nem o diretor-geral costumam fazer, uma vez que os delegados têm autonomia para tocar os inquéritos.
"Ontem veio essa insistência, eu disse que seria uma interferência política. Ele me disse que seria mesmo", afirmou Moro, ao revelar que negociou por muito tempo com Bolsonaro para evitar a troca no comando da PF.
"O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, colher relatório de inteligência, seja o diretor-geral, seja superintendentes, e realmente não é o papel da PF prestar esse tipo de informação", acrescentou.
Moro citou, inclusive, o período em que era o juiz responsável pela operação Lava Jato no Paraná, lembrando que a independência da PF foi preservada durante as investigações que envolviam o próprio governo do PT.
"As investigações têm que ser preservadas, imaginem se durante a Lava Jato o ministro, o diretor-geral, a então presidente Dilma, o ex-presidente Lula, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento?", disse.
Além disso, afirmou o ex-ministro, Bolsonaro revelou a ele ter preocupações com inquéritos que estão no STF.
Atualmente tramitam no STF investigações sobre a criação de "fake news" que podem envolver os filhos do presidente Eduardo e Carlos, e, nesta semana, a corte autorizou a abertura de inquérito para apurar o protesto realizado no domingo, com presença do próprio presidente, no qual manifestantes pediram o fechamento do Congresso e do STF.
Também estão nas mãos do STF os inquéritos que investigam o senador Flávio Bolsonaro, outro filho do presidente por suspeitas de irregularidades financeiras em seu gabinete no período em que foi deputado estadual no Rio de Janeiro.
Em publicação no Twitter após o anúncio de Moro, Bolsonaro disse que vai conceder entrevista coletiva nesta tarde para, segundo ele, restabelecer a verdade sobre as demissões de Moro e Valeixo.
SEM ASSINATURA
Moro, que pareceu estar emocionado em vários momentos do pronunciamento, disse ainda que precisava preservar sua biografia, o compromisso que assumiu de combate à corrupção e ao crime organizado e que não se sentia confortável para continuar no governo.
O ex-juiz federal lembrou mais de uma vez que Bolsonaro lhe prometeu carta-branca para agir quando o chamou para assumir o ministério, em novembro de 2018. Mas desde a metade do ano passado, segundo Moro, Bolsonaro vinha insistindo na saída de Valeixo, começando ainda com a tentativa de trocar e indicar o superintendente da PF no Rio de Janeiro. A PF do Estado está a cargo das investigações que envolvem Flavio Bolsonaro.
Na série de revelações, Moro disse ainda que não assinou a exoneração de Valeixo do comando da PF, apesar de o decreto ter sido publicado nesta madrugada no Diário Oficial com sua assinatura.
"Eu não assinei essa exoneração, fiquei sabendo pelo DO", contou Moro. "Fui surpreendido, achei isso ofensivo. Esse último ato é também uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo."
Segundo o próprio Moro, Valeixo lhe contou que recebeu um telefonema na noite de quinta de uma pessoa do Palácio do Planalto avisando que seria demitido e que a demissão seria publicada como "a pedido", e perguntando se ele teria algum problema com isso. Valeixo disse então que era um detalhe, que ele não concordava com a demissão.
Moro citou ainda nomes que estariam surgindo como possíveis substitutos de Valeixo. Um deles, disse, seria um "delegado que passou mais tempo no Congresso que na PF", disse, referindo-se ao atual secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres.
Outro nome é do atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, que foi chefe da equipe de segurança de Bolsonaro durante a campanha depois que o então candidato levou uma facada, e que se tornou muito próximo dos filhos de Bolsonaro.
"O grande problema não é quem entra, mas porque alguém entra. Se esse alguém sendo da corporação, aceitando substituição do atual diretor-geral, com o impacto que isso vai ter na corporação, não conseguiu dizer não para o presidente para uma proposta desta espécie, eu fico na dúvida se vai conseguir dizer não em relação a outros temas", ressalvou o ex-ministro.
Moro encerrou sua fala afirmando que estaria à disposição do país, mas que não teria condições de ficar no governo sem condições de trabalho. Afirmou também que a PF vai resistir a qualquer interferência política.
"Onde eu esteja sempre vou estar à disposição do país, sempre respeitando o mandato do Ministério da Justiça nessa gestão, que é fazer a coisa certa", encerrou.
Moro deixou a sala do ministério onde falou bastante aplaudido pelos servidores e secretários que assistiram sua fala. Ao mesmo tempo, enquanto as tevês transmitiam o discurso do ministro, panelaços e gritos de "Fora, Bolsonaro", foram ouvidos em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades do país.