Por Ricardo Brito e Eduardo Simões
BRASÍLIA (Reuters) - Com um forte e uníssono discurso em que ministros exaltaram o direito de "autodefesa" da corte contra o que chamaram de "bandidagem", o Supremo Tribunal Federal formou nesta quarta-feira uma maioria de oito votos pela legalidade da portaria que instaurou o inquérito das fake news, investigação essa que desde o ano passado apura a divulgação de notícias falsas e ameaças a integrantes da corte.
Sete ministros acompanharam o voto do ministro relator, Edson Fachin, que rejeitou ação movida pela Rede Sustentabilidade que contestava o direito de o próprio presidente do STF, Dias Toffoli, ter aberto essa investigação e ter repassado para o ministro Alexandre de Moraes conduzi-la, com base no regimento interno.
Aliados do presidente Jair Bolsonaro foram recentemente alvos de mandados de busca e apreensão determinados por Moraes, relator do inquérito.
Bolsonaro já criticou duramente essa investigação, chamando-a de ilegal. O julgamento ocorre em um momento tenso de embate entre os dois Poderes, após no sábado simpatizantes do presidente terem disparado fogos de artifício em direção ao prédio do STF como protesto a recentes decisões da corte.
Fachin defendeu que o inquérito seja norteado pelos seguintes pontos: 1) que seja acompanhado pelo Ministério Público; 2) que garanta a investigados amplo acesso aos autos; 3) que limite o objeto da investigação a casos de risco efetivo de independência do STF, por meio de ameaça a seus membros e familiares; 4) que garanta a liberdade de expressão e de imprensa, excluindo do escopo da apuração matérias jornalísticas e postagens anônimas, desde que não integrem esquemas de financiamento de propagação de fake news.
Após dois dias de julgamento, o processo foi interrompido na noite de quarta e será retomado na quinta para sua conclusão com os votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e de Toffoli.
CRIMES
Na retomada do julgamento nesta quarta pela manhã, Moraes disse que ataques e ameaças feitas a ministros do tribunal não podem ser confundidos com manifestação do direito à liberdade de expressão. Em um voto detalhado, ele citou publicações na internet em que, por exemplo, pessoas defendiam atear fogo ao plenário do Supremo caso a corte decidisse, como acabou decidindo, contra a possibilidade de prisão após condenação penal em segunda instância.
Em outro episódio citado por Moraes, uma advogada do Rio Grande do Sul, que ele não identificou, mas disse que já está denunciada pelo Ministério Público, incitou o estupro e o assassinato das filhas dos ministros da corte.
“Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão. Isso é bandidagem! Isso é criminalidade!”, disparou o ministro.
Outro a votar, o ministro Luís Roberto Barroso classificou de “mercenários” aqueles que recebem dinheiro para promover campanhas de ódio e disse que causas financiadas pelo ódio são “bandidagem pura”.
"Quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio, não é militante. Primeiro é mercenário, que recebe dinheiro para a causa, e segundo é criminoso, porque atacar as pessoas com ódio, com violência, com ameaças não é coisa de gente de bem. É gente capturada pelo mal. Não há causa que pode legitimar esse tipo de conduta”, criticou.
Coube à ministra Cármen Lúcia ter dado o sexto voto, formando a maioria para confirmar o inquérito. Ela destacou que a apuração não está cerceando a liberdade.
"Liberdade rima juridicamente com responsabilidade, mas não rima juridicamente com criminalidade, menos ainda com atos criminosos ou que podem ser investigados", disse.
Segundo ela, há abusos que estão sendo cometidos e que visam destruir a democracia.
O vice-presidente do STF, Luiz Fux, defendeu a prerrogativa da corte de tocar o inquérito, destacando que os crimes são gravíssimos e abomináveis, comparando-os ao "germe do terrorismo".
“Se houvesse uma inação do Supremo Tribunal Federal, estaríamos capitulando”, disse. “Temos que matar no nascedouro esses atos abomináveis que têm sido praticados contra o Supremo Tribunal Federal”, afirmou.