Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro disse em depoimento que o presidente Jair Bolsonaro cobrou dele, em reunião na presença de ministros a dois dias de pedir demissão do cargo, a substituição do então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, do superintendente da corporação no Rio de Janeiro, Carlos Henrique de Oliveira, e de relatórios de inteligência e informação da instituição.
Essa informação consta da íntegra do depoimento prestado por Moro no sábado no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que apura as declarações do ex-ministro de que Bolsonaro tentou interferir na PF.
No depoimento, obtido pela Reuters, Bolsonaro fez a cobrança a Moro na reunião do conselho de ministros realizada no Palácio do Planalto em que foi apresentado o Pró-Brasil, pacote de ações do Executivo Federal principalmente na área de infraestrutura para reanimar a economia em meio à pandemia do novo coronavírus.
Segundo Moro, o presidente disse na reunião que iria interferir em todos os ministérios e quanto à pasta da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio, trocaria o diretor-geral da corporação e o próprio ministro da Justiça.
O ex-ministro afirmou ainda que a afirmação do presidente de que não recebia informações ou relatórios de inteligência da PF não era verdadeira.
Ao fim do depoimento, Moro indicou, como um dos "elementos de prova", que essas declarações do presidente na reunião do conselho de ministros devem ter sido gravadas.
O ministro Celso de Mello, do STF, atendeu a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para dar acesso aos registros visuais desse encontro.
ABALO
No depoimento, o ex-ministro da Justiça afirmou ainda ter dito a Bolsonaro, na véspera do seu pedido de demissão, que a eventual escolha do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal representaria uma "interferência política" na corporação, "com abalo da credibilidade do governo" em meio à pandemia.
Moro disse que, no encontro com o presidente no dia 23 de abril, o presidente disse que o então diretor-geral da PF Maurício Valeixo, seria exonerado "a pedido, ou de ofício", e que nomearia para o cargo Alexandre Ramagem, "porque seria uma pessoa de confiança do presidente, com o qual ele poderia interagir".
O ex-ministro afirmou que, no encontro com o presidente, poderia até trocar Valeixo, desde que houvesse uma causa, como "uma insuficiência de desempenho ou erro grave, mas não havia nada disso". Ele disse ter pedido ao presidente que reconsiderasse a decisão, mas que, se isso não ocorresse, seria "obrigado a sair e a declarar a verdade sobre a substituição".
"O presidente lamentou, mas disse que a decisão estava tomada", destacou ele, no depoimento.
Moro disse que, depois desse encontro com o presidente a sós, reuniu-se em seguida com os ministros militares do Palácio do Planalto e relatou a reunião com Bolsonaro. Participaram do encontro os ministros da Casa Civil, Braga Netto, do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
O então ministro disse aos colegas ter informado que não poderia aceitar a substituição de Valeixo e também lhes informou que sairia do governo e que "seria obrigado a falar a verdade".
Moro afirmou aos presentes que o presidente pediu relatórios de inteligência na PF, lembrando que isso inclusive havia sido objeto de cobrança pelo presidente na reunião do conselho de ministros na véspera. Nessa oportunidade, segundo ele, Augusto Heleno afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o presidente queria não tinha como ser fornecido.
O ex-ministro disse que os colegas se comprometeram a tentar demover o presidente. Ele afirmou que retornou ao ministério na esperança de a questão ser solucionada.
Contudo, posteriormente, vazou na imprensa que o Palácio do Planalto substituiria Valeixo no comando da PF e que, em decorrência, Moro sairia do governo.
Após as saídas de Moro e de Valeixo, consumadas no dia 24 de abril, o presidente decidiu nomear Alexandre Ramagem para o comando da PF. Contudo, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, barrou a posse de Ramagem com a alegação de que haveria indícios de desvio de finalidade com a escolha. Ramagem é próximo da família do presidente.
Moro fez questão de dizer no depoimento ter narrado fatos verdadeiros, embora tenha ressalvado que, em nenhum momento, afirmou que o presidente "teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes".