Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Pequenas empresas de importação de combustíveis estão questionando na Justiça a legalidade de elevações recentes de tributos para importar produtos, o que despertou indignação das maiores companhias do setor, que acusam as menores de tentar driblar a arrecadação e desequilibrar o mercado.
O movimento ocorre após a Petrobras (SA:PETR4) lançar, em outubro do ano passado, uma nova política de preços de combustíveis que segue a lógica do mercado, permitindo um aumento da concorrência no setor do país, historicamente dominado pela petroleira estatal.
As importações de gasolina e diesel, neste ano, estão em máximas históricas, apesar de a economia ainda estar em recuperação, impulsionadas por compras externas de empresas concorrentes da Petrobras, além de importações feitas pela própria estatal.
Em anos passados, o cenário seria impossível, uma vez que a estatal, que detém quase 100 por cento da capacidade de refino do Brasil, vendia os combustíveis com preços abaixo do mercado global, para ajudar o governo a controlar a inflação.
Se os preços não estão mais sob controlo do governo, o foco da queixa agora está na alta carga tributária.
Somente PIS e Cofins, incidentes na importação e comercialização de combustíveis, representam aproximadamente 16 por cento do preço final da gasolina e 14 por cento do diesel no Brasil, segundo dados do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom).
Tais tributos, aliás, foram elevados por decreto em julho, contribuindo com recordes históricos nominais dos preços da gasolina neste ano.
Levantamento do Sindicom --que representa grandes empresas responsáveis por 70 por cento do volume de distribuição de combustíveis e lubrificantes no Brasil-- aponta que companhias não filiadas ao sindicato estão recorrendo à Justiça para reduzir os tributos, o que a associação considera uma prática lesiva ao mercado.
Segundo o Sindicom, em um dos casos, uma empresa chamada Sul Plata, no Paraná, teria deixado de pagar à União 650 milhões de reais a título de PIS/Cofins na importação de gasolina e diesel, desde 2015, amparada em uma decisão judicial.
"Essas empresas se utilizam da burocracia fiscal e da burocracia do judiciário para gerar um benefício", afirmou à Reuters o advogado do Sindicom, Luciano Godoy.
O Sindicom não tem dados sobre o volume de combustível importado com o amparo de decisões judiciais.
No argumento da Sul Plata visto pela Reuters no processo judicial, um decreto de 2015 alterou, de forma inconstitucional, um outro decreto de 2004, que havia reduzido as alíquotas de contribuição para o PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre a importação e comercialização de combustíveis, provocando uma "majoração" dos valores a serem pagos.
Além disso, a empresa argumenta que a elevação dos tributos não cumpriu regras constitucionais que preveem prazos entre a publicação das novas regras e o início de suas cobranças.
Dessa forma, a Justiça determinou que a empresa continuasse pagando PIS/Cofins na importação, porém protegida da majoração considerada ilegal pela empresa.
Na sexta-feira, no entanto, a sentença que atendia ao pleito da empresa foi suspensa, após argumentos apresentados à Justiça pela Receita Federal. Ainda cabem recursos.
Procurada, a Sul Plata preferiu não se manifestar sobre o tema, e a Reuters não teve acesso a documentos que comprovassem que os valores não foram de fato recolhidos.
BATALHAS NA CONCORRÊNCIA
Com os mesmos argumentos, uma outra companhia chamada Êxito, em Pernambuco, também obteve sucesso.
O advogado da Êxito Arnaldo Rodrigues Neto explicou à Reuters que, apesar da decisão favorável, a companhia não está se valendo neste momento da sentença e continua pagando a tributação na importação como exigido regularmente pela Receita Federal.
"A empresa declara que aguardará a decisão final dos Tribunais Superiores para fazer valer sua decisão, e que buscou o judiciário para não ter seu direito prescrito", disse Rodrigues Neto.
O advogado afirmou que representa outras distribuidoras de combustíveis menores que também estão recorrendo à Justiça e obtendo decisões favoráveis com a mesma argumentação, mas que não pode nomeá-las por questões de sigilo profissional.
"Não pode o contribuinte se curvar às arbitrariedades cometidas pelo Poder Executivo contra a Constituição Federal, e aceitar ter seu direito violado, enquanto contribuinte, pagando tributo indevidamente majorado", afirmou Rodrigues Neto, por email.
Ele adicionou que, além do decreto de 2015, o governo publicou mais um decreto em 2017 aumentando novamente os volumes de tributos a serem pagos. Segundo ele, o decreto de 2017 cometeu "as mesmas ilegalidades e inconstitucionalidades de 2015".
Procurada, a Receita Federal afirmou por e-mail à Reuters que tem conhecimento dos fatos, "está monitorando de perto o assunto" e recorrendo de todas as ações.
A receita, no entanto, não quis informar quantos casos deste tipo estão em andamento e nem comentar a alegação das empresas.
"Além da perda na arrecadação, a situação afeta a concorrência", afirmou a Receita, em nota à Reuters.
O advogado do Sindicom Luciano Godoy disse que o sindicato não concorda com o argumento das pequenas empresas e defende que as elevações dos volumes de tributos a serem pagos a título de PIS/Cofins, realizadas em 2015 e em 2017, são legais.
Dessa forma, a estratégia do sindicato tem sido mapear casos na Justiça e buscar entrar nos processos como parte para defender que reduções tributárias, para apenas algumas empresas, geram distorção e desequilíbrio no mercado.
Para Godoy, os casos de questionamento de decretos recentes são comparáveis a manobras utilizadas por empresas que buscam obter vantagens indevidas em relação a concorrência.
IMPORTAÇÕES PELA ZONA FRANCA
Em um caso diferente, Godoy afirmou que uma empresa chamada Amazônia Energia conseguiu uma liminar para importar diesel e gasolina com isenção total, alegando que os produtos seriam para suprir encomendas na Zona Franca de Manaus. No total, a empresa já teria deixado de pagar 90 milhões de reais à União.
No entanto, o sindicato afirmou que dois navios já desembarcaram amparados pela decisão legal, com quantidades muito além do que acredita ser possível demandar a Zona Franca: o primeiro, com 31 milhões de litros de diesel e o segundo com 14 milhões de litros de gasolina e 28 milhões de diesel.
"Isso representa 35 por cento de todo o consumo mensal de gasolina e 62 por cento do de diesel do Estado do Amazonas", afirmou levantamento do Sindicom ao qual a Reuters teve acesso.
"Em cada navio que desembarcou, a União deixou de arrecadar cerca de 20 milhões de reais. Até o fim de outubro outros quase 100 milhões de litros de diesel tinham desembarque agendado, o que representa mais cerca de 50 milhões de reais não quitados."
A Reuters não conseguiu contato com a Amazônia Energia.
(Por Marta Nogueira)