Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - O Banco Central decidiu manter a Selic em 13,75% ao ano, pela terceira vez consecutiva, conforme decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira, e deu recados ao governo eleito ao dizer que há elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e ressaltar que acompanhará com atenção o quadro das contas públicas.
"O Comitê acompanhará com especial atenção os desenvolvimentos futuros da política fiscal e, em particular, seus efeitos nos preços de ativos e expectativas de inflação, com potenciais impactos sobre a dinâmica da inflação prospectiva", informou o comunicado da reunião do Copom, a primeira após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais.
Em uma das inovações em relação ao comunicado da reunião de outubro, o Copom adaptou o trecho que dizia que um dos itens de seu balanço de riscos a pressionar a inflação era a "incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal", passando a falar em "elevada incerteza" nessa área.
Também passou a dizer que a conjuntura "particularmente incerta no âmbito fiscal" requer serenidade na avaliação dos riscos para a inflação. Ainda assim, o BC manteve sua visão de que seus cenários para a inflação permanecem com fatores de risco em ambas as direções, de alta e de baixa.
CAUTELA
Apesar dos sinais enviados ao novo governo, o economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, viu uma posição de relativa cautela do BC no comunicado desta quarta.
"É um BC que ainda prefere dizer: olha, eu preciso de mais detalhes, com o que eu tenho até agora os respingos no meu modelo são pequenos, no balanço de riscos tem uma piora marginal mas insuficiente para eu pensar em mudar a minha estratégia", disse.
A manutenção da taxa básica, decidida de maneira unânime pela diretoria do BC, foi ao encontro da expectativa de analistas de mercado, de acordo com pesquisa Reuters, segundo a qual 31 dos 32 economistas consultados esperavam continuidade da Selic no mesmo nível.
Com a decisão, o BC manteve a taxa básica em um patamar 11,75 pontos acima da mínima histórica de 2% ao ano, atingida em meio à pandemia de Covid-19 e que vigorou até março do ano passado. A Selic segue no nível mais alto desde janeiro de 2017, quando também estava em 13,75% ao ano.
Desde a eleição de Lula, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem alertando reiteradamente, em eventos públicos, sobre riscos relacionados à expansão fiscal. Em suas falas, ele tem afirmado que é preciso conciliar gastos sociais com responsabilidade fiscal, ressaltando que o quadro das contas públicas interfere na ação do Banco Central.
"A política fiscal é um 'input' para nós. E se, através desse 'input', nós acreditarmos que a convergência (da inflação) que a gente havia planejado não será atingida, reagiremos", disse em novembro.
A equipe de Lula na transição de governo está negociando com o Congresso a aprovação de uma PEC que poderá permitir uma ampliação de gastos superior a 160 bilhões de reais em 2023 e 2024 --o texto ainda está em tramitação e pode ser alterado. O objetivo é bancar o Bolsa Família ampliado, recompor despesas de ministérios e ampliar investimentos públicos.
INFLAÇÃO MAIS ALTA
Sob impacto de cortes de tributação de combustíveis e outros serviços, o IPCA registrou três meses seguidos de deflação até setembro, mas voltou a subir em outubro, acumulando alta de 6,47% em 12 meses. O IPCA-15, que é considerado uma prévia da inflação e foi divulgado há duas semanas, mostrou que os preços subiram novamente em novembro com pressão de combustíveis e alimentos.
No comunicado desta quarta, o BC elevou suas projeções para a inflação no encerramento de 2022, 2023 e 2024.
A autoridade monetária informou que, em seu cenário de referência, as estimativas para a inflação estão em 6,0% para 2022 (contra 5,8% na reunião anterior), 5,0% em 2023 (contra 4,8% antes) e 3,0% em 2024 (ante 2,9%).
As metas para o IPCA estão definidas em 3,50% para este ano, 3,25% em 2023 e 3,00% em 2024, com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos nos três casos.
Para o economista do banco BV Carlos Lopes, o BC mostrou uma preocupação maior com o que vem acontecendo no âmbito fiscal e piorou suas projeções para a inflação, o que reforça a cautela da autoridade monetária.
"Hoje como cenário base a gente espera que a Selic permaneça em 13,75% até a segunda metade do ano que vem e termine o ano em 12%", disse.
Desde a reunião de outubro do Comitê, em meio aos debates do governo de transição, o mercado passou a piorar as expectativas para os preços até o próximo ano.
A expectativa para inflação em 2022, segundo o boletim Focus, subiu de 5,61% no fim de outubro para 5,92% nesta semana. Para 2023, a alta foi de 4,94% para 5,08%. No caso de 2024, a previsão foi mantida em 3,50%.
No comunicado, o BC afirmou que apesar da queda recente, "especialmente" em itens voláteis e afetados por medidas tributárias, a inflação ao consumidor continua elevada.
"As diversas medidas de inflação subjacente seguem acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação", afirmou.
Em relação à atividade econômica, o BC disse que o PIB do terceiro trimestre apontou crescimento mais moderado, com indicadores corroborando com cenário de desaceleração esperado pelo Copom.
O comunicado ainda afirmou que o ambiente externo segue adverso, com perspectiva de crescimento global abaixo do potencial no próximo ano, alta volatilidade nos ativos financeiros e ambiente inflacionário ainda pressionado. E acrescentou que o aumento de juros em países avançados e a maior sensibilidade dos mercados a fundamentos fiscais requerem maior cuidado por parte de países emergentes.