Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O governo francês vai propor à Comissão Europeia a alteração do mandato para negociação do acordo de livre comércio com o Mercosul, disse nesta segunda-feira o embaixador do país no Brasil, Michel Miraillet, e deve pedir a inclusão da discussão sobre segurança dos alimentos.
De acordo com o embaixador, quatro ou cinco outros países europeus devem apoiar a França na reunião da Comissão Europeia, esta semana, em Bruxelas. "Não sabemos o que vai dar, mas essa é uma proposta que será feita. O mandato foi feito em 1999, precisa de alterações", disse o embaixador em um almoço com jornalistas em Brasília.
Um dos temas centrais, segundo Miraillet, é a segurança dos alimentos, que tem aumentado de importância perante a opinião pública francesa nos últimos anos, depois de diversos escândalos, como o da carne de cavalo usada para fazer alimentos congelados, descoberto em 2013.
Por mais de uma vez, o embaixador citou a operação Carne Fraca no Brasil, de março deste ano, em que mais de 60 pessoas foram indiciadas por corrupção pela liberação fraudulenta de licenças sanitárias e de fiscalização de frigoríficos.
"É uma demonstração de que a democracia está funcionando no Brasil, uma investigação nessas dimensões. Mas há preocupação com a segurança dos alimentos, e essa é uma questão que tem crescido muito nos países europeus", disse o embaixador, acrescentando que a França não vê que o Brasil tenha feito esforços para melhorar a situação desde a operação.
No mandato de negociação, os países da UE dão à Comissão Europeia o direito de negociar em seu nome com o Mercosul. A mesma coisa do lado dos sul-americanos. Os mandatos atuais foram negociados em 1999, quando se começou a tentativa de um acordo - abandonado depois em 2006- e tiveram seus parâmetros atualizados em 2010, quando as conversas foram retomadas.
A informação de que a França pretende pedir a "atualização" do mandato foi tratada com certo desdém pelo governo brasileiro. "Se for reabrir para o lado deles, podemos reabrir pelo nosso lado. E isso não interessa a ninguém", disse à Reuters uma fonte próxima às negociações.
De acordo com essa fonte, que falou sob condição de anonimato, as cobranças para mudanças no mandato são feitas há mais de 10 anos, e a Comissão Europeia seria totalmente contrária.
REAÇÃO
A informação de que a França planeja pedir a inclusão de questão sobre segurança dos alimentos é vista como uma tentativa de intimidação. "É um elemento de perturbação, de intimidação. Uma maneira de dizer ao Mercosul para maneirar sua ambição. Não me sensibiliza nem um pouco", disse a fonte.
Temas sanitários, segundo a fonte, não estão na negociação e não precisam estar. Com livre comércio ou não, quem não cumprir os padrões terá seu produto barrado. "Isso nunca esteve na negociação, nunca se pediu para a Europa mudar seus padrões sanitários ou vice-versa. Cada um estabelece seu padrão sanitário", afirmou.
"Isso é claramente uma tática para atrasar as negociações, disse à Reuters um diplomata da União Europeia sediado em Brasília. Segundo a fonte, as reclamações do embaixador, de que o governo brasileiro não fez nada para melhorar as condições sanitárias depois da operação Carne Fraca também não são verdadeiras.
A questão da segurança alimentar dentro do acordo com Mercosul e em outros já foi levantada mais de uma vez no Parlamento Europeu. Questionado sobre isso, o comissário para Saúde e Segurança dos Alimentos, Vytenis Andriukaitis, já afirmou que nenhum acordo levará a redução dos padrões sanitários europeus. "Com ou sem acordo de livre comércio, alimentos importados para a UE têm que cumprir com as normas de segurança. Isso inclui o acordo com o Mercosul", disse em uma reunião do Parlamento.
Segundo Andriukaitis, o acordo com os países sul-americanos vai reforçar a cooperação e a troca de informações sanitárias e fitossanitárias para garantir os padrões necessários.
SEM AVANÇO
Há 10 dias, a rodada de negociações entre UE e Mercosul, em Brasília, terminou sem avanços na questão central, de acesso a mercados. Os países sul-americanos esperavam a oferta sobre carne e etanol, que os europeus deviam desde maio de 2016, mas os valores oferecidos -600 mil toneladas de etanol e 70 mil de carne, abaixo do oferecido em 2006- foram considerados decepcionantes e as conversas não avançaram.
Na semana passada, o presidente francês, Emanuel Macron, afirmou, em discurso para produtores agrícolas, que a França não tinha pressa de fechar o acordo, contradizendo o cronograma estabelecido pela própria UE, que previa o anúncio em dezembro deste ano.
O embaixador da França no Brasil prevê que realmente será difícil cumprir o prazo anunciado pela UE, mas garante que a França continua muito interessada no acordo. "Mas é preciso um acordo forte e durável, um acordo ganha-ganha", defendeu.
Uma nova rodada de negociações acontecerá em Brasília no início de novembro.
(Reportagem adicional de Anthony Boadle)