Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Uma portaria editada nesta segunda-feira pelo Ministério do Trabalho vai dificultar a divulgação da chamada "lista suja" do trabalho escravo no país, uma relação de pessoas e empresas que foram autuadas em fiscalização por submeterem trabalhadores a condições análogas às de escravidão.
A portaria do ministro Ronaldo Nogueira prevê que a divulgação da lista no site eletrônico oficial do Ministério do Trabalho será realizada por "expressa determinação" do titular da pasta, com a organização realizada pela Secretaria de Inspeção do Trabalho.
A norma anterior, ainda da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, entretanto, deixava a organização e a divulgação do cadastro a cargo da Divisão de Fiscalização para Erradição do Trabalho Escravo, ligada à Secretaria de Inspeção do Trabalho. Ou seja, em um escalão inferior.
A divulgação da lista também será feita duas vezes ao ano, ao final dos meses de junho e novembro de cada ano. A portaria anterior, de maio do ano passado, previa que a atualização da lista poderia ocorrer "a qualquer momento", sendo que nunca em periodicidade superior a seis meses.
A nova portaria também alterou o modelo de fiscalização desempenhado por auditores fiscais e até mesmo mudanças no conceito do que se considera trabalho em condições análogas ao escravo.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou uma dura nota em que criticou a nova portaria. Para a entidade, o ministério "numa só canetada, elimina os principais entraves ao livre exercício do trabalho escravo".
A CPT destacou que, a partir de agora, o flagrante do trabalho escravo só ocorrerá se houver constatação do impedimento de ir e vir imposto ao trabalhador, em ambiente de coação, ameaça, violência.
"Para conseguir este resultado –há muito tempo tentado pela via Legislativa, mas ainda sem o sucesso exigido pelos lobbies escravagistas– bastou distorcer o sentido de expressões e termos há muito tempo consagrados na prática da inspeção do trabalho e na jurisprudência dos tribunais", afirmou a CPT.
O deputado Alessandro Molon (REDE-RJ) anunciou nesta segunda-feira que vai apresentar um projeto de decreto legislativo na terça-feira pedindo a anulação dos efeitos da portaria.
"(O presidente Michel) Temer parece desconhecer qualquer limite. Sepultar o combate ao trabalho escravo em troca de salvação na Câmara é escandaloso, além de brutal com milhares de brasileiros", afirmou Molon, referindo-se à tramitação na Casa de uma nova denúncia contra Temer e a articulações do Planalto para evitar que os deputados permitam que a acusação tenha andamento.
Em nota, o Ministério do Trabalho declarou que a portaria "aprimora e dá segurança jurídica à atuação do Estado Brasileiro, ao dispor sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização promovida por auditores fiscais do trabalho, bem como para inclusão do nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo".
"O combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e na inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais básicos princípios da dignidade da pessoa humana", afirma a nota.
Ainda segundo a nota, "o Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores à condição análoga a de escravo é um valioso instrumento de coerção estatal, e deve coexistir com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório"..
Segundo a assessoria de imprensa, o ministério não vai se manifestar sobre os comentários feitos.