BRASÍLAI (Reuters) - A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu na tarde desta quinta-feira trechos do decreto assinado pelo presidente Michel Temer que concedia o indulto de Natal e a redução de pena a pessoas condenadas em todo o país sob o argumento que a edição da norma acarretou "aparente desvio de finalidade".
A decisão de Cármen Lúcia, tomada em caráter liminar, atendeu integralmente a ação apresentada na véspera pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Na prática, a decisão suspende os efeitos de cinco trechos do decreto até uma nova análise do relator do caso, ministro Roberto Barroso, ou do plenário do Supremo.
Dodge havia questionado o decreto assinado por Temer na sexta-feira da semana passada sob a alegação de que a norma feria à Constituição ao prever, por exemplo, uma espécie de anistia a condenados que teriam de pagar multas ou foram beneficiados com a suspensão condicional de processo.
Prerrogativa do presidente da República, o decreto de indulto permite que o Estado conceda benefícios ou perdoe a pena de condenados que atendam a alguns critérios, como o cumprimento parcial da pena, por exemplo. Geralmente ele é assinado no fim do ano e, por isso, popularmente ficou conhecido como indulto natalino.
O decreto chegou a ser alvo de crítica força-tarefa do Ministério Público na operação Lava Jato, pois poderia desetimular a celebração de novos acordos de delação premiada.
Para Cármen Lúcia, houve aparente "desvio de finalidade" na edição do decreto e que as inovações introduzidas pela norma editada poderiam violar a Constituição.
"As circunstâncias que conduziram à edição do decreto, que, numa primeira análise, própria das liminares, demonstra aparente desvio de finalidade, impõe-se a concessão de cautelar para a suspensão dessa norma", decidiu a ministra.
A presidente do STF destacou que é "incompatível" com a extinção da punição conceder indulto para quem foi beneficiado com a suspensão condicional do processo. Ela lembrou que o eventual descumprimento das condicionantes pelo beneficiário para a transação penal acarretaria a retomada do processo.
No início da argumentação da sua decisão, a ministra afirmou que o indulto "não é nem pode ser instrumento de impunidade". Para ela, é uma medida humanitária de se extinguir a pena de condenados em situações "específicas, excepcionais e não demolidoras do processo penal".
"Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta", disse Cármen Lúcia.
"Se não for adotado na forma da legislação vigente transmuda-se o indulto em indolência com o crime e insensibilidade com a apreensão social que crê no direito de uma sociedade justa e na qual o erro é punido e o direito respeitado", completou.
Mais cedo, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, havia dito que o governo não iria modificar, por conta própria, o decreto do indulto natalino, a menos que houvesse uma decisão do STF a respeito.
(Reportagem de Ricardo Brito)