Por Ricardo Brito e Cesar Raizer
BRASÍLIA (Reuters) - O julgamento desta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) indicou pelo menos quatro votos a favor da possibilidade de se revisar os benefícios concedidos a um determinado delator apenas no momento da sentença de quem tenha sido alvo das acusações.
O julgamento foi suspenso pela presidente do STF, Cármen Lúcia, após o voto dos ministros Edson Fachin (relator) e Alexandre de Moraes e será retomado na sessão da tarde da quinta-feira.
O Palácio do Planalto acompanha de perto o desdobramento desse julgamento, uma vez que Fachin conduz o inquérito contra o presidente Michel Temer por suspeita de obstrução de Justiça, organização criminosa e corrupção passiva. Há também uma preocupação entre delatores que já firmaram acordos homologados ou que estão para serem tomados, pois os benefícios concedidos poderão ser alterados.
O acordo de delação dos executivos da JBS (SA:JBSS3), por exemplo, prevê que eles não vão cumprir nenhum dia de prisão pelas acusações que fizeram e provas que apresentaram. A defesa de Temer critica duramente os benefícios concedidos.
Na sessão desta quarta, além dos votos de Fachin e Moraes pela possibilidade de se analisar o acordo de delação apenas no momento da sentença, os ministros Luiz Fux e Celso de Mello, o decano do STF, já afirmaram em intervenções serem favoráveis a seguir esse caminho.
Na avaliação dos quatro ministros, a homologação de uma delação seria feita por ato individual do relator, como tem sido a praxe até agora, mas uma eventual revisão dos benefícios da delação ocorreria no julgamento final por decisão de um órgão colegiado --no caso do STF, ou uma Turma ou o plenário.
"Esse ato homologatório do acordo de colaboração premiada não deve se expor a referendo de órgão colegiado", defendeu Celso de Mello. Fux disse em aparte ao decano que não há "divergência" em relação ao raciocínio dele.
PODER DA PGR
Até o momento, apenas o ministro Gilmar Mendes, que tem criticado publicamente a adoção do instituto da delação premiada, manifestou-se claramente contra a revisão de benefícios da delação somente na sentença. Mesmo sem votar, Mendes indicou que essa avaliação poderia ser feita após a homologação do acordo, se, no seu entender, houver irregularidades.
"Veja, a Procuradoria pode muito, mas pode tudo? É isso que a lei autoriza?", indagou Mendes durante o julgamento em aparte ao voto de Moraes. "Então me parece que nós temos que esclarecer o que se pode fazer sob pena de ficarmos em platitudes", defendeu.
Em seu voto, Fachin argumentou que no momento da homologação do acordo de delação cabe ao relator apenas aferir se foram cumpridos os aspectos formais de regularidade, voluntariedade e legalidade.
Para o ministro, não é dado ao relator, de forma "antecipada" e "extemporânea", avaliar os termos da colaboração, porque, dessa forma, ele estaria interferindo de "modo indevido" em processo de investigação. Isso se ocorresse, frisou, poderia levar a uma insegurança jurídica.
Mas na sentença, ponderou, poderá haver uma avaliação sobre os termos dos benefícios concedidos. "A palavra definitiva sobre os termos das colaborações será e sempre vai ser do colegiado", destacou.
O voto de Moraes acompanhando Fachin foi o que, até o momento, surpreendeu a contabilidade inicialmente feita pelo relator do caso. Indicado ao STF por Temer, ele era tido como o que abriria a divergência e votaria a favor de revisar os termos de um acordo de delação depois da homologação e não apenas no momento da sentença.
Para Moraes, nada impede que haja uma análise sobre a eficácia da prova produzida a partir das delações premiadas após a sentença do processo.
"O sistema acusatório afastou o juiz da produção da prova para que o juiz possa julgar de forma imparcial. Não se pode constranger a livre convicção do magistrado", defendeu.
MENSAGEM
Antes dos votos dos ministros, O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou a favor de rejeitar uma eventual revisão do acordo de delação antes da sentença.
"Os colaboradores entregaram autoridades públicas cometendo crimes em curso, tanto é que alguns deles foram pilhados em ações controladas. Como se pode recusar prova de crime em curso?", questionou.
Janot afirmou que uma eventual revisão completa dos acordos a essa altura terá consequência em acertos de delação futura. "A mensagem que se passará é que o Ministério Público ao acordar pode, mas não muito. Promete, mas não sabe como poderá cumprir", completou.
O STF julga questionamento feito pelo governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), para retirar Fachin da relatoria de um caso que o envolve após ele ter sido citado em delação premiada por executivo da JBS.
O governador sul-matogrossense argumenta seu caso refere-se a um suposto esquema de pagamento de propina para a liberação e obtenção de convênios de ICMS, nada tendo a ver com a Lava Jato.
Fachin e Moraes, contudo, são favoráveis a manter o atual relator do caso da JBS. A tendência, conforme a Reuters publicou, é que nesse ponto haja uma maioria sólida para manter Fachin como relator do caso.