Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O Ministério das Relações Exteriores convocou nesta segunda-feira o embaixador da Hungria no Brasil, Miklós Halmai, para prestar esclarecimentos sobre a hospedagem do ex-presidente Jair Bolsonaro na representação diplomática do país em Brasília dias após ele ter tido seu passaporte apreendido, informou o Itamaraty.
Halmai foi chamado depois de o jornal The New York Times revelar mais cedo que Bolsonaro dormiu duas noites na representação diplomática húngara durante o fim de semana de Carnaval, depois de ter tido seu passaporte apreendido pela Justiça no âmbito de uma investigação da Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe de Estado durante seu governo.
O húngaro teve uma reunião de 20 minutos com a embaixadora Maria Luísa Escorel, secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty, de acordo com o MRE.
Uma fonte com conhecimento do teor da conversa disse que o embaixador húngaro quase não falou durante o encontro, e tratou a hospedagem de Bolsonaro como uma ocorrência corriqueira. Foi dito a ele, no entanto, que esse não era um fato normal e que não há razões para concessão de eventual asilo ao ex-presidente.
Foi lembrado, ainda, que Bolsonaro tem pendências com a Justiça, onde enfrenta uma série de processos, e que o Brasil é um país democrático, que cumpre o devido processo legal, acrescentou.
De acordo com a fonte, o Itamaraty suspeita que Halmai manteve contato com a defesa de Bolsonaro antes de ser convocado para o encontro desta tarde para acertar em conjunto a justificativa para a visita.
A defesa do ex-presidente confirmou, em nota oficial, que Bolsonaro se hospedou na embaixada da Hungria por dois dias em fevereiro, afirmando ter recebido um convite, "para manter contatos com autoridades do país amigo".
"Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de fake news", conclui o documento assinado pelos advogados Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fábio Wajngarten.
Em sua reportagem, o New York Times divulgou imagens de circuito interno de TV que mostram Bolsonaro chegando à representação húngara no Brasil. A publicação também teve acesso a imagens de satélite que demonstram que o carro que levou o ex-presidente à embaixada do país europeu ficou estacionado no local de 12 a 14 de fevereiro, poucos dias após a operação da Polícia Federal que reteve o passaporte do ex-presidente e prendeu aliados dele.
O The New York Time classificou o episódio como "uma aparente tentativa de obtenção de asilo" da parte de Bolsonaro. Caso o ex-presidente estivesse na embaixada húngara e a Justiça determinasse sua prisão, agentes da PF não poderiam entrar na representação diplomática da Hungria para prendê-lo, pois o local é protegido pela legislação e está fora da jurisdição das autoridades brasileiras.
Bolsonaro é aliado do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, de extrema-direita, com quem já trocou elogios públicos no passado. Ambos se encontraram no fim do ano passado durante a posse do presidente da Argentina, Javier Milei, também de extrema-direita, em Buenos Aires.
A embaixada da Hungria em Brasília não respondeu de imediato a um pedido de comentário da Reuters.
Na operação da PF em que Bolsonaro teve seu passaporte retido, em 8 de fevereiro, também foram alvos, além do ex-presidente, aliados próximos, como os ex-ministros da Defesa Paulo Nogueira Batista e Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; todos generais da reserva; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos; e o presidente do PL, partido do ex-presidente, Valdemar Costa Neto.
Na mesma ocasião, também foram presos preventivamente o ex-assessor especial da Presidência no governo Bolsonaro, Filipe Martins, e Marcelo Câmara, coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
(Reportagem adicional de Steven Gratten e Eduardo Simões, em São Paulo, e Maria Carolina Marcello, em Brasília)