Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - A Câmara dos Deputados retomará nesta quarta-feira a votação em primeiro turno da chamada PEC da Transição, que amplia o teto de gastos em 145 bilhões de reais para o pagamento do Bolsa Família no valor de 600 reais, após aprovar na noite de terça o texto principal da matéria e iniciar a análise de destaques que podem alterar o teor da proposta.
Após a conclusão em primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição terá de passar por uma segunda rodada de votação na Câmara e, posteriormente, voltar ao Senado, uma vez que os deputados reduziram o prazo de vigência da medida de dois anos para apenas um e incluíram novas regras sobre emendas parlamentares.
O texto principal da Proposta de Emenda à Constituição foi aprovado por 331 votos a 168.
A PEC, que precisava de 308 votos favoráveis dos deputados, não encontrou na Câmara a mesma facilidade com que tramitou no Senado, onde fora aprovada com folga no início do mês.
As negociações em torno da PEC na Câmara, que já estavam atribuladas em meio à formação do novo governo, sofreram ainda mais turbulências com o julgamento do chamado orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal (STF). A corte derrubou na segunda-feira o mecanismo de direcionamento de recursos sob a rubrica das emendas do relator-geral do Orçamento, que era criticado por muitos por configurar uma moeda de troca política.
Os parlamentares decidiram então, a partir de um acordo político, que os mais de 19 bilhões de reais reservados ao instrumento declarado inconstitucional serão repartidos entre emendas parlamentares individuais impositivas e recursos para ações do Executivo Federal, a serem determinadas por emendas apresentadas pelo relator-geral do Orçamento. Na prática, essa última alteração dribla decisão do STF, deixando nas mãos do relator o poder de decisão sobre a destinação de parcela do Orçamento.
A decisão do STF azedou o ambiente político e as negociações da PEC passaram a ser conduzidas diretamente pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ainda assim, o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiu evitar que o prazo de validade do aumento do teto de gastos fosse reduzido de dois anos para apenas um.
Além da expansão do teto de gastos para o Bolsa Família, a PEC também abre margem de 23 bilhões de reais nas contas do ano que vem para investimentos, com base em parcela de excesso de arrecadação do governo.
Também ficou mantida no texto a previsão de que o governo Lula envie, até agosto do ano que vem, um novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos.
Durante a discussão da proposta em plenário nesta terça, deputados aliados do presidente eleito Lula defenderam sua aprovação.
"Quem é que precisa dessa PEC do Bolsa Família?... Quem precisa dessa PEC são as 33 milhões de pessoas no Brasil que estão passando fome", afirmou o deputado Bohn Gass (PT-RS), que considerou a votação a "mais importante" do momento.
Também houve, no entanto, quem se manifestasse contra a aprovação. O partido Novo chegou a lançar mão de requerimento para adiar a votação, mas a iniciativa não teve votos suficientes para aprová-lo.
"Fomos contrários à PEC dos Precatórios, que abriu um rombo no teto de gastos; fomos contrários à PEC Kamikaze, que abriu outro rombo no teto de gastos; e agora somos contrários a esta PEC do Estouro, ou PEC da Gastança, PEC Argentina, PEC do Lula, PEC da Transição. Chame como quiser. E a razão é muito simples: o tamanho do Estado brasileiro não cabe no bolso da população, e há muito tempo", disse o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG).
O pagamento do Bolsa Família de 600 reais na prática não dependeria da PEC, uma vez que o ministro do STF Gilmar Mendes emitiu uma decisão liminar que excluiu do teto de gastos os recursos para o pagamento do programa. Representantes do governo eleito, porém, disseram que manteriam as negociações para aprovar a PEC, que é mais abrangente do que apenas o pagamento do programa social, além de conferir uma maior segurança política.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo)