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Entenda como funcionaria o gabinete de Bolsonaro após o golpe

Publicado 27.11.2024, 05:30
© Reuters Entenda como funcionaria o gabinete de Bolsonaro após o golpe

Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) planejaram criar um “gabinete de crise” depois de matar o então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Alexandre de Moraes e impedir a passagem de poder para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ação seria parte de um golpe de Estado programado para 15 de dezembro de 2022.

O inquérito divulgado pela PF (Polícia Federal) na 3ª feira (26.nov.2024) detalha que o objetivo do gabinete seria “estabelecer diretrizes estratégicas, de segurança e administrativas para o gerenciamento da crise institucional”. Na prática, seria o órgão responsável por comandar o Brasil depois da ruptura democrática, administrando crises institucionais e dando aconselhamento e informações a Bolsonaro sobre o estado do país pós-golpe.

O plano previa que o gabinete seria instalado em 16 de dezembro de 2022, um dia depois do sequestro e possível assassinato de Moraes. Segundo o documento, a ativação do grupo ocorreria no Palácio do Planalto, com operação ininterrupta, em regime “24/7”.

 

HELENO E BRAGA NETTO NO COMANDO

Ainda segundo investigação da PF, os generais Augusto Heleno, então chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), e Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, seriam designados para liderar o gabinete de crise. A equipe seria composta quase exclusivamente por militares –uma das exceções seria Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, que ficaria responsável por uma assessoria específica de relações institucionais e legitimação internacional do golpe.

Outra peça-chave seria o general Mário Fernandes, então nº 2 da Secretaria Geral da Presidência. Ele é o autor do documento com o organograma e serviria como um dos assessores estratégicos de Bolsonaro. A PF destaca que Fernandes indicou nomes de sua proximidade para compor a estrutura –como o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, seu chefe de gabinete, que seria designado para a assessoria de inteligência da estrutura golpista.

O relatório, porém, não especifica quais seriam as atribuições exatas de Heleno e Braga Netto. Há ambiguidade sobre quem de fato estaria no comando, e também sobre qual seria o papel de Bolsonaro no processo. No sábado (21.nov), antes da divulgação do relatório, o ex-ministro da Defesa negou que houvesse um movimento interno para dar um “golpe dentro do golpe”, derrubar Bolsonaro e levar os militares ao poder. Braga Netto foi o vice na chapa derrotada em 2022.

BUSCA POR LEGITIMIDADE

O documento detalha também a base jurídica que sustentaria a criação do gabinete de crise. O 1º fundamento seria a lei 13.844/2019, que define a organização básica da Presidência e dos ministérios. Já o 2º embasamento legal seria um “decreto presidencial”, que, segundo as investigações, teria sido elaborado por Bolsonaro e seu núcleo jurídico.

O decreto seria o ato que oficializaria o golpe de Estado. Bolsonaro apresentou o documento aos comandos do Exército e da Aeronáutica e só não foi bem-sucedido porque recebeu uma negativa de ambos à ruptura institucional, conforme as investigações.

Entre as funções previstas para o gabinete de Bolsonaro estavam:

 

  • monitorar o Congresso Nacional e articular apoio parlamentar;
  • assessorar diretamente o então presidente;
  • acompanhar a implementação das medidas descritas no decreto presidencial;
  • influenciar a opinião pública e internacional para legitimar a ruptura;
  • supervisionar e controlar a comunicação dos ministérios e demais órgãos do governo; e
  • estabelecer uma rede de inteligência com atuação nos níveis estaduais e municipais.

O gabinete teria, ainda, o propósito de “proporcionar ao presidente da República (Jair Bolsonaro) maior consciência situacional das ações em curso a fim de apoiar o processo de tomada de decisão”.

 

“DISCURSO ÚNICO”

O plano incluía estratégias para “influenciar a opinião pública” e “controlar” a comunicação do governo. O gabinete seria responsável por estabelecer um “discurso único” em todos os níveis para evitar “desinformação” e “interpretações” que pudessem “confundir” a população.

 

CONGRESSO NA MIRA

Segundo a minuta obtida pela Polícia Federal e incluída no inquérito, a assessoria parlamentar do gabinete teria a responsabilidade de “acompanhar de perto e monitorar as ações e decisões das Casas do Congresso Nacional”.

Outra diretriz estabelecia a necessidade de “buscar o máximo de apoio parlamentar ao decreto presidencial”. O objetivo seria articular apoio para a aprovação das ações previstas no decreto golpista.

 

O QUE DIZ BOLSONARO

O ex-presidente negou ter conhecimento do esquema para matar Lula ou da tentativa de golpe. Disse que sempre agiu “dentro das 4 linhas de Constituição” e que, nelas, “não há pena de morte”, em referência ao assassinato do petista.

“Vai dar golpe com um general da reserva e 4 oficiais superiores? Pelo amor de Deus. Quem estava coordenando isso? Cadê a tropa? Cadê as Forças Armadas? Não fique botando chifre em cabeça de cavalo”, disse em live transmitida pela página do Instagram do ex-ministro do Turismo Gilson Machado no sábado (23.nov).

 

O INQUÉRITO

Clique aqui para ler a íntegra com as 884 páginas do inquérito da PF.

A seguir, leia os principais pontos citados:

 

  • golpe seria em 15.dez.2022 (pg.21) – o golpe de Estado estava marcado para o dia 15 de dezembro de 2022, quando era esperado que Bolsonaro assinasse o decreto golpista. No mesmo dia, Alexandre de Moraes seria preso e, possivelmente, morto por militares envolvidos no esquema;
  • fuga do país (pg. 79) – Bolsonaro teria deixado o Brasil no final de 2022 após não conseguir o “apoio das Forças Armadas para consumar a ruptura institucional” para “evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023”;
  • Zambelli tentou convencer a FAB (pg.423) – a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) teria pressionado o então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Júnior, a aderir ao golpe durante dezembro de 2022. Recebeu uma negativa;
  • tanques de prontidão (pg. 645) – em uma troca de mensagens entre uma pessoa com o nome “Riva” e Sérgio Cavaliere, Riva afirma a Cavaliere que o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, tinha “tanques no arsenal prontos”. Cavaliere mostra o diálogo para Mauro Cid e pergunta se “confere”. Cid diz: “Mais ou menos”. Depois manda 2 áudios e os apaga –não é possível saber o conteúdo das mensagens de voz;
  • Lula não sobe a rampa (pg. 752) – a frase consta em um papel com o que parecem ser etapas da “Operação 142”, em referência ao artigo da Constituição; no último item está escrito “Lula não sobe a rampa”;
  • Bolsonaro sabia de tudo (pg. 843) – a PF diz ter identificado provas ao longo da sua investigação que mostram de forma “inequívoca” que Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava concretizar o golpe de Estado e a abolição do Estado democrático de direito”;
  • Cid era informante (pg. 843) – segundo a investigação, Bolsonaro recebia atualizações constantes sobre o andamento do plano de golpe por meio de seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, que blindava o então presidente de participação direta;
  • expectativa persistiu até o 8 de Janeiro (p.848) – mesmo com o golpe não acontecendo na data prevista, os envolvidos seguiram aguardando uma oportunidade. Mauro Cid continuou solicitando informações sobre a movimentação de Moraes ao coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor do presidente. O ministro era identificado pelo codinome “professora”.

ENTENDA

  • o que aconteceu: o ministro do STF Alexandre de Moraes retirou o sigilo do relatório da Polícia Federal que investiga uma tentativa de golpe de Estado no final de 2022. Também enviou o inquérito à PGR;
  • o que é investigado: um grupo aliado a Jair Bolsonaro (PL) que teria tentado impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O plano seria, segundo a PF, matar Lula, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) e o então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Alexandre de Moraes. A operação teria a participação de militares e usaria armas de guerra e veneno;
  • quais são as dúvidas: quantas pessoas estiveram envolvidas diretamente se o plano foi efetivamente colocado em curso. Leia aqui o que se sabe e quais são as dúvidas sobre o inquérito;
  • quem estava envolvido: a investigação, concluída pela corporação na 5ª feira (21.nov), levou ao indiciamento de 37 pessoas. Entre elas, estão:
    • Bolsonaro;
    • Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro;
    • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional);
    • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
    • Valdemar Costa Neto, presidente do PL.
  • quais os próximos passos: a manifestação sobre uma possível denúncia da PGR deve ficar para 2025, depois do recesso do Judiciário, que termina em 6 de janeiro.

RELATÓRIO DA PF

A Polícia Federal concluiu que núcleos foram agrupados para disseminar a narrativa de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da sua realização. A finalidade seria legitimar uma intervenção das Forças Armadas.

Seriam 5 eixos de atuação:

 

  • ataques virtuais a opositores;
  • ataques às instituições (STF e TSE), urnas eletrônicas e à higidez do processo eleitoral;
  • tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de direito;
  • ataques às vacinas contra a covid e a medidas sanitárias na pandemia; e
  • uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens.

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