Por Eduardo Simões e Rodrigo Viga Gaier
SÃO PAULO/RIO DE JANEIRO (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro ficou ainda mais isolado dos governadores nesta quarta-feira, após entrar em atrito direto com o governador de São Paulo, João Doria, durante reunião sobre o coronavírus, e de perder o apoio do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, devido ao pronunciamento no qual voltou a minimizar a pandemia e criticou medidas dos Estados.
Durante reunião de Bolsonaro com governadores da Região Sudeste, Doria disse lamentar o pronunciamento do presidente na véspera e cobrou diretamente que ele lidere o país com serenidade em meio à crise gerada pelo coronavírus, de acordo com pessoas com conhecimento do encontro.
Bolsonaro respondeu de forma dura --uma reação que Doria chamou em uma rede social de "ataque descontrolado"-- e afirmou que o governador paulista elegeu-se em 2018 usando seu nome, além de afirmar que o tucano atuava politicamente com vistas a uma candidatura à Presidência na eleição de 2022. Nas palavras de uma fonte que teve acesso ao encontro, Bolsonaro "partiu para o MMA".
Durante a reunião, Doria pediu a suspensão por um ano do pagamento das dívidas dos Estados com a União, a suspensão do pagamento das dívidas com a União por 12 meses e defendeu ainda que o governo federal atue junto ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pela suspensão, também por um ano, do pagamento das dívidas dos Estados com esses organismos multilaterais de crédito.
O tucano também pediu que portos e aeroportos sigam abertos para permitir a importação de insumos, a antecipação do pagamento de parcelas da Lei Kandir aos Estados e alertou que o governo paulista tomará medidas judiciais caso o Ministério da Saúde atue para confiscar equipamentos médicos, como respiradores, adquiridos por São Paulo.
Um dos governadores mais próximos de Bolsonaro até o início da crise do coronavírus, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que é médico e próximo do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, criticou duramente o pronunciamento feito na véspera por Bolsonaro e disse que eventuais medidas do governo federal para reduzir o isolamento social durante a pandemia não terão efeitos em seu Estado.
"É inadmissível o presidente tratar pandemia que já matou quase 20 mil pessoas em todo o mundo, como 'resfriadinho'. Insensibilidade que fere familiares de vítimas. Sou médico e não aceito isso", disse Caiado no Twitter.
"Buscar a tese de que teremos colapso econômico de grandes proporções, é querer colocar na balança o que é mais importante: a vida humana ou a sobrevivência da economia. E isso não tem discussão. Garantir a saúde, a segurança alimentar e física dos goianos é minha responsabilidade", acrescentou.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que assim como Doria vinha sendo criticado por Bolsonaro pelas medidas de restrição, disse que o pronunciamento do presidente, no qual defendeu a reabertura de escolas e a volta das pessoas ao trabalho, não tem valor jurídico, indicando que manterá as restrições adotadas no Estado.
"O pronunciamento não tem validade jurídica. É uma opinião política... se cada empresário atender ao pronunciamento, juntamente com que o fez (Bolsonaro), pode ser responsabilizado por suas ações lá na frente", alertou.
"ATITUDE ERRÁTICA"
Em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, após a videoconferência com o presidente, Doria voltou a criticar a postura de Bolsonaro e a pedir que ele lidere com "serenidade" o país durante a pandemia. Anunciou ainda que os 27 governadores se reunirão na tarde desta quarta em videoconferência para discutir a crise e o que chamou de atitude "errática" de Bolsonaro.
"Hoje às 16h os 27 governadores do Brasil estarão reunidos virtualmente numa conferência de duas horas de duração --das quatro às seis da tarde-- dada a gravidade das circunstâncias do país e do comportamento do presidente da República", disse Doria.
Inicialmente Bolsonaro faria um pronunciamento após a videoconferência com os governadores da Região Sudeste, mas a fala do presidente foi cancelada.
Além do atrito com os governadores, Bolsonaro também foi criticado pela Frente Nacional dos Prefeitos (FPA) por causa do pronunciamento da noite de terça-feira. Em nota, a entidade disse que os prefeitos "repudiam" as declarações do presidente e pediram esclarecimentos ao Ministério da Saúde.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Covid-19, doença provocado pelo coronavírus, já infectou mais de 375 mil pessoas em 195 países e matou mais de 16 mil. No Brasil, de acordo com números do Ministério da Saúde, o número de casos passa dos 2 mil, e 46 pessoas morreram.