Uma comunicação clara e focada no concreto, segundo analistas, torna-se um trunfo neste segundo turno para que as campanhas consigam falar à classe C. Além disso, a religião, identificada como algo relevante para esse grupo, também já tem aparecido como protagonista na disputa nas redes socais e deve continuar em evidência.
Especialistas apontaram erros do PT em ter se utilizado, por exemplo, de artistas e intelectuais para buscar voto para Lula no primeiro turno. Maurício de Almeida Prado, que faz pesquisas qualitativas com esse grupo na consultoria Plano CDE, diz que a classe C enxerga "um discurso de lacração, de esquerda arrogante progressista ou de um vitimismo, de grupos como os gays". Ele cita o movimento nas redes sociais que estimulava eleitores do PT a fotografar 13 livros de cor vermelha. "Muitos pensam: nunca li nem 13 livros, quanto mais vermelhos", diz o antropólogo. O partido tirou os artistas e passou a veicular vídeos com pastores evangélicos logo nos primeiros dias da campanha do segundo turno.O desafio da comunicação também aparece no discurso de não violência, contra as armas, diz Prado, já que a população se vê entre facções criminosas e tráfico. A evidência de que o aumento no número de armas leva a mais violência, demonstrada em pesquisas, é mais difícil de explicar do que o discurso de que a arma serve para a pessoa se defender.
A religião surge, de acordo com analistas, muito atrelada aos valores morais na classe C. "Uma parte da narrativa desses segmentos de direita é de natureza dos costumes, há uma recuperação de um sentimento conservador, colado na fé religiosa, que existe na sociedade e foi trazido para o centro do debate", diz o professor da USP José Álvaro Moisés. A polêmica em torno da visita de Jair Bolsonaro a Aparecida foi um dos temas que se destacaram nas redes sociais na semana passada.Apesar de as últimas pesquisas mostrarem que 30% da população é evangélica, como o último Censo demográfico foi feito em 2010 (e deveria ter sido repetido em 2020) os números podem estar defasados. Outros 50% se declaram católicos.'Fé'"Como cristã, valorizo a família, a vida, sou contra o aborto, contra corrupção", diz Andreia Bassan, de 47 anos, que é evangélica. Ela e o marido têm uma microempresa de cursos online de artesanato. Seu voto é convicto em Bolsonaro. "Ele veio para mostrar as coisas que a gente não enxergava, fomos muito enganados pela política. Se ele não tivesse esse jeito de falar, o sistema já teria engolido ele.
"Andreia mora na zona norte da capital e reclama de não poder trabalhar durante a pandemia e de ser obrigada a "entrar como bandida em seu escritório". O casal não se vacinou contra a covid por não acreditar no imunizante "feito às pressas". "Meu marido pegou covid no começo da pandemia, foi terrível, estávamos sem plano de saúde, mas sou uma mulher de fé."
A carioca Cleonice Vieira, professora de Inglês aposentada, de 59 anos, que é católica, diz que também se apega à fé, mas vota em Lula. "Se Bolsonaro fosse cristão, ele não deixaria as pessoas morrerem, não atrasaria a vacina", afirma. "A pobreza voltou, as pessoas estão morrendo de fome, de frio, sem casa." A professora e o marido, mecânico aposentado, vivem na Ilha do Governador, no Rio. Ela diz que seu voto é "por uma vida mais justa" para todos. "Nossa vida é política, não vivemos sozinhos."Para Moisés, o resultado do primeiro turno mostra que as lideranças políticas precisam fazer uma autocrítica e reaprender a engajar a população. "Com as mudanças tecnológicas, o modo pelo qual esses novos segmentos sociais se expressam não é mais analógico, não mais através de lideranças de partidos. Há acesso imediato à informação na internet, é possível compartilhar narrativas próprias." Segundo ele, é essencial uma escola mais crítica para crianças. "Nossa educação trata a coisa pública como se ela não tivesse nada a ver com os direitos do jovem. Se quisermos avançar para unificar igualdade e liberdade precisamos mudar o ensino."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.