A votação do Orçamento de 2021 evidenciou a existência de dois ministérios da Economia, um formado por técnicos fiéis às regras fiscais e outro constituído pela ala disposta a fazer concessões em prol da negociação política. Segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo, a equipe econômica emitiu sinais de que era possível acomodar até R$ 16,5 bilhões em emendas parlamentares com cortes menores em outras despesas, inclusive obrigatórias, antes de a negociação degringolar para a maquiagem e para gastos de interesse parlamentar turbinados a R$ 31,3 bilhões.
A fatura original previa R$ 8,5 bilhões prometidos pela Secretaria de Governo em troca de apoio dos parlamentares e da consolidação de uma base governista no Parlamento. Outros R$ 8 bilhões foram negociados especificamente para votar a PEC emergencial, que daria base legal à recriação do auxílio emergencial e continha gatilhos de contenção de despesas. A segunda parcela dos recursos financiaria obras de interesse dos parlamentares.
As sinalizações foram dadas apesar de cenários internos do Ministério da Economia apontarem para uma insuficiência de R$ 17,5 bilhões no teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação, indicando a necessidade de cortes em despesas - direção oposta do que foi feito pelo Congresso. O valor foi revelado oficialmente em 22 de março, mas cenários do fim de fevereiro já apontavam o estrangulamento.
Acusado de contabilidade criativa por subestimar gastos obrigatórios com Previdência e subsídios ao crédito rural, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) reagiu publicamente e disse que tudo foi feito com o conhecimento da Economia. Na segunda-feira, 5, foi a vez do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), dizer em reunião com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que a discussão do Orçamento teve "toda a participação do governo".
Ao longo dos últimos dias, o jornal O Estado de S. Paulo tentou reconstruir os passos da negociação que resultou no Orçamento maquiado e colocou o tema na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). Em meio às articulações para evitar a desidratação completa da PEC emergencial, restou a fatura de R$ 16,5 bilhões a ser paga no Orçamento. O acordo, negociado pelo então ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, obteve também chancela do ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi informado dos termos de acerto.
Espaço
A partir daí, alguns integrantes do alto escalão da Economia começaram a "cavar" espaços dentro do Orçamento, apesar de os técnicos da "base" da pasta terem documentado no relatório a ausência de qualquer gordura. Entraram na mira o abono salarial, o seguro-desemprego, o auxílio-doença, a economia esperada com combate a fraudes no INSS e a própria reforma da Previdência.
Em conversas privadas, fontes do Ministério da Economia relatam que o acerto era abrir espaço para os R$ 16,5 bilhões com revisões nessas despesas. Nessa ala, há a avaliação de que a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) tem sido muito conservadora ao estimar que as despesas da Previdência, na verdade, deveriam crescer R$ 8,4 bilhões por causa do reajuste maior do salário mínimo. Para esse grupo, a incorporação dos impactos mais expressivos da reforma e de medidas de combate a fraudes ainda não implementadas totalmente deixaria essa necessidade de suplementação em até R$ 2,5 bilhões.
A digital do Ministério da Economia também ficou evidente no adiamento do cronograma do abono salarial, feito com base em uma recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU). Como os trabalhadores vão receber a nova rodada do benefício em janeiro de 2022, e não mais em julho de 2021, restaram "livres" R$ 7,4 bilhões no Orçamento, que foram direcionados a emendas em vez de serem usados para cobrir o rombo já existente no teto. Procurado, o Ministério da Economia não quis se manifestar sobre os temas desta reportagem.
Além da dissonância dentro do Ministério da Economia, a quebra do acordo para a votação do Orçamento de 2021 também colocou em pé de guerra a Câmara, o Senado e o relator.
A interlocutores, Guedes tem dito que busca a conciliação em torno do assunto e que está em sintonia com Lira e Pacheco, enquanto Bittar não honrou o acordo. Apesar de negociadores do governo insistirem que o acordo para "consertar" o Orçamento foi fechado no último fim de semana, a negociação deve demorar mais e se estender até o prazo para a sanção pelo presidente, 22 de abril. Guedes já avisou que, além dos R$ 10 bilhões indicados pelo relator, é preciso cancelar outros R$ 5 bilhões para manter os termos do acordo original. Na segunda, técnicos falaram na necessidade de o relator cancelar até mais: R$ 17 bilhões ao todo. Mesmo com essa medida, a equipe econômica precisará fazer um bloqueio adicional entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões no Orçamento após a sanção, para não descumprir regras fiscais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.