Por Jeb Blount
RIO DE JANEIRO (Reuters) - A decisão da Petrobras de realizar uma enorme baixa contábil de 50,8 bilhões de reais para contabilizar ativos supervalorizados e custos relacionados à corrupção é apenas o início de uma reforma ampla e necessária para reavivar a conturbada estatal de petróleo brasileira.
Enquanto muitos estão focando nos 6,2 bilhões de reais, ou 12 por cento da baixa contábil, relacionados com valores desviados em um esquema de fixação de preços, suborno e propina --o maior de escândalo de corrupção da história do Brasil--, são os 44 bilhões de reais restantes que merecem maior atenção.
Essas baixas refletem decisões ruins de investimento, execução imperfeita, interferência política e a queda dos preços do petróleo, conforme a petroleira reconheceu em seus resultados auditados de 2014, publicados na quarta-feira.
"As baixas contábeis mostram que a Petrobras sofre mais com a incompetência do que com a corrupção", disse John Forman, ex-membro da diretoria da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A gestão controlada por políticos e as leis de petróleo nacionalistas, que deixam a Petrobras sobrecarregada, com uma dívida líquida que já soma 282,1 bilhões de reais, e não a corrupção, continuam a ser as maiores ameaças para a empresa e para a economia do Brasil, que depende muito da gigante estatal para investimentos.
Depois de anos de aumento dos gastos e atrasos de projetos, a Petrobras é a petroleira mais endividada do mundo, um fardo que limita a sua capacidade de realizar investimentos necessários para aumentar a produção de petróleo e gás.
A presidente Dilma Rousseff disse nesta sexta-feira que a petroleira mostrou que "superou todos seus problemas de gestão" ao divulgar nesta semana seu balanço anual que apontou prejuízo de 21,6 bilhões de reais em 2014.
"A empresa está muito alavancada", disse Frederico Mesnik, sócio da gestora de ativos Humaitá, em São Paulo. "Precisamos de grandes mudanças, começando com a substituição da equipe de gestão em favor de nomes não nomeados politicamente."
Mais de dois terços da baixa contábil que não está relacionada com a corrupção estavam nas refinarias Rnest e Comperj, que estavam entre os maiores projetos de infraestrutura do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), um dos carros-chefe da presidente Dilma Rousseff. Elas já custaram mais de 15 bilhões de dólares cada, bem acima do orçado inicialmente, mas permanecem incompletos, após anos de atrasos.
Ambos foram em frente, sem planejamento adequado, diz o Tribunal de Contas da União (TCU), em parte porque a administração enfrentou a pressão política para investir nos projetos.
Economistas estimam que os problemas relacionados com a Petrobras podem provocar um corte de até 1,5 ponto percentual no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deste ano, acrescentando mais problemas para uma economia que já deverá entrar em sua pior recessão em duas décadas.
CUSTOSO CONTEÚDO NACIONAL
Enquanto a Petrobras tenta virar a página, deixando para trás o escândalo de corrupção, também enfrenta estritas regras de conteúdo nacional que impõem altos custos e resultam em qualidade questionável.
Por exemplo, a Sete Brasil, contratada para construir 28 navios-sonda de águas profundas no valor de cerca de 1 bilhão de dólares cada, está com problemas financeiros. Elas devem ser alugadas à Petrobras por mais de 500 mil dólares por dia, após construídas no Brasil.
Por causa dos preços mais baixos do petróleo, plataformas de perfuração estão agora disponíveis no mercado mundial a 400 mil dólares por dia ou menos. Mas a luta do governo para salvar a Sete Brasil deve prender a Petrobras à opção mais cara.
Enquanto se compromete com disciplina financeira, o novo presidente Aldemir Bendine tem procurado minimizar as restrições de investimento, enfatizando a importância da Petrobras para a economia do Brasil, levando alguns a questionar seu compromisso com reformas na empresa.
"Isso nos deixa com a impressão de que a Petrobras vai continuar a ser 'mais do mesmo'", disse o analista de petróleo Vinicius Canheu, do Credit Suisse, em São Paulo.
Gustavo Gattass, do Banco BTG Pactual, afirmou que há 80 por cento de chance da Petrobras ser obrigada a aumentar o seu capital. A diluição resultante seria um duro golpe para os investidores, que já sofreram com quedas das ações da Petrobras de mais de 50 por cento em sete meses.
PREOCUPAÇÕES COM A PRODUÇÃO
Durante anos, o governo forçou a Petrobras a subsidiar os preços domésticos dos combustíveis, causando bilhões de dólares em perdas de refino. Isso também impediu que a Petrobras atraísse parceiros de refino.
Há muito tempo os investidores gostariam de ver a Petrobras anunciar uma clara política de preços de combustíveis, mas Bendine, até agora, recusou-se a fazê-lo.
O petróleo mais barato também obrigou a Petrobras a realizar uma baixa contábil de 9,8 bilhões de reais de ativos de exploração e produção, área em que a empresa está sobrecarregada.
Devido a uma lei de 2010, que aumentou o papel do Estado no setor de petróleo, a Petrobras deve deter pelo menos 30 por cento de todos os novos projetos de exploração na região marítima mais promissora do país, o pré-sal, querendo ou não.
Como a Petrobras também deve desenvolver as áreas, o Brasil pode enfrentar a escolha de forçar a empresa a fazer investimentos que dificilmente suportaria ou renunciar a novas explorações para proteger as finanças da Petrobras. Os pedidos para acabar com as exigências da Petrobras e abrir as áreas para outras empresas têm caído em ouvidos surdos em Brasília.
No comando da Petrobras, Bendine reduziu investimentos da petroleira programados para 2015 para 29 bilhões de dólares, um terço abaixo da média anual projetada para 2014-2018, e cortou para 25 bilhões de dólares em 2016.
No entanto, é pouco provável que o crescimento da produção média anual de 4,5 por cento esperado para este ano e 3 por cento para 2016 gere caixa suficiente para reduzir a dívida. E os cortes de investimentos não significam necessariamente que a empresa vai parar de gastar em projetos deficitários.
"A Petrobras tem muito potencial", disse Forman, ex-diretor da ANP. "Mas é difícil ser otimista sobre uma empresa que tem tantos maus hábitos e é gerida por um governo que não vai admitir o custo pesado de suas políticas."
(Reportagem adicional de Silvio Cascione em Brasília e Asher Levine, em São Paulo)