SÃO PAULO (Reuters) - Júpiter Jones (Mila Kunis) é filha de um astrônomo inglês e de uma matemática russa, na barriga de quem imigra para os Estados Unidos depois do assassinato do pai, antes mesmo de nascer. Seu dia se resume a trabalhar como faxineira com a mãe – o que, mais tarde, a transformará numa espécie de Cinderela intergaláctica em "O Destino de Júpiter", dos irmãos Andy e Lana Wachowski ("Matrix").
O príncipe encantado de Júpiter, no entanto, não é nobre, mas um ser geneticamente modificado para melhor desempenho como guerreiro, Caine (Channing Tatum). A vidinha sem graça da protagonista muda quando logo se descobre que ela é uma rainha – afinal, sua genética a aponta como a próxima na sucessão de um planeta distante.
Isso chama a atenção dos outros três nobres que poderiam assumir o poder no lugar dela, três irmãos: a frívola Kalique (Tuppence Middleton), o playboy Titus (Douglas Booth) e o ambicioso Balem (Eddie Redmayne, que se tornou o nome da vez depois de protagonizar "A Teoria de Tudo", pelo qual concorre ao Oscar).
Custa um pouco para a narrativa – também assinada pelos irmãos Wachowski – encontrar o seu prumo. A introdução – mostrando o cotidiano de Júpiter e lutas entre personagens sem muita função – logo dá espaço a uma trama que tem muito a dizer sobre a globalização do nosso mundo. A trinca de nobres elitistas tem um interesse especial pela Terra – da qual Júpiter é a guardiã.
Como Kalique explica, os seres de seu planeta – supostamente mais desenvolvido, avançado e inteligente do que o nosso – descobriram que o maior bem existente é o tempo. Há um subtexto metafísico sobre reencarnação em "O Destino de Júpiter" que pode – e deve! – ser completamente ignorado.
O mesmo que transformou "A Viagem" – o filme anterior da dupla de cineastas, codirigido pelo alemão Tom Tykwer – num filme chato e raso. Aqui, eles reencontram o mesmo, por assim dizer, teor político que infiltra seus filmes mais famosos - e "V de Vingança" não fica de fora.
Para que a elite daquele planeta possa desfrutar de séculos de vida e beleza, eles se valem de um líquido que, para cuja produção de um único frasco não muito grande, necessita da morte de 100 seres humanos.
E onde existem (até onde sabemos) humanos em abundância senão na Terra? Enfim, os habitantes do planeta tornam-se matéria-prima a ser explorada por um império galáctico. Nada muito diferente de qualquer potência em busca de lucros em países (no caso planetas) menos abastados – seja com as especiarias da época das navegações, o imperialismo na África, ou a exploração do petróleo no nosso tempo.
Dentro da própria ficção científica, a "space opera" sempre sofreu uma espécie de preconceito – daí até mesmo o nome pejorativo, cujo termo "opera" nada tem a ver com o gênero musical erudito, mas com as "soap operas" (rádio e telenovelas).
Mas uma série de autores de peso, como o escocês Iain Banks e o norte-americano Dan Simmons, só para citar uns mais próximos do nosso tempo, mostra que existe vida inteligente nesse tipo de literatura e cinema, que também inclui a série "Star Wars" e "Guardiões da Galáxia".
A mente dos irmãos voa bastante alto no campo da criação estética – e aqui não é diferente. A Terra é, em boa parte do tempo, um planeta sem graça, quase desprovido de cor, especialmente pelo excesso de concreto e vidro, enquanto outros planetas têm uma paleta bem mais abrangente, além de serem repletos de seres estranhos.
Se em "A Viagem" os Wachowski se perderam pelo caminho – o que não é de se espantar com as idas e vindas no tempo –, em "O Destino de Júpiter" eles recobram o fôlego e fazem uma espécie de contraponto à comédia de "Guardiões da Galáxia", outro filme recente do gênero.
Não que aqui não haja humor, até há, mas o tom é mais sério mesmo, como se eles acreditassem que todos aqueles seres e lugares realmente existissem – e isso só torna o filme ainda mais belo, em sua fé na humanidade.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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