Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Após uma maratona de quase 19 horas, a base do governo garantiu quórum e aprovou no Congresso o projeto que amplia os descontos da meta de superávit primário, na madrugada desta quinta-feira, apesar das inúmeras manobras da oposição, que explorou à exaustão os instrumentos regimentais para alongar a sessão.
Ainda falta analisar uma última emenda da oposição, que deve ser votada em sessão na próxima terça-feira.
Após uma grande pressão do Executivo, com a vinculação da liberação de emendas parlamentares à aprovação do projeto e um apelo da presidente Dilma Rousseff aos líderes aliados nesta semana, deputados e senadores governistas superaram a obstrução da oposição e aprovaram o projeto que tramitava no Congresso há cerca de três semanas.
Prioritária para o governo, a proposta permite abater do cálculo da meta de superávit primário, que é a economia feita para pagamento de juros da dívida, a totalidade das desonerações tributárias feitas pelo governo e dos investimentos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Na prática, o projeto desobriga o governo federal de realizar um superávit primário. A oposição argumenta que o texto visa livrar Dilma do crime de responsabilidade por descumprimento da meta.
Um erro de cálculo da oposição pouco antes da meia-noite facilitou um pouco os trabalhos dos governistas. Com a intenção de derrubar a sessão por falta de quórum, os oposicionistas pediram a votação de uma consulta ao plenário sobre 16 requerimentos que atrasariam a votação. Derrotada a consulta, o Congresso passou a analisar diretamente o projeto, sem ter que votar os requerimentos individualmente.
O governo já havia mobilizado ministros, governadores e governadores eleitos e presidentes de partidos para que pressionassem os parlamentares para aprovar a medida no Congresso.
A própria presidente Dilma pediu pessoalmente, em reunião com lideranças na Câmara e no Senado, a aprovação da proposta. O calendário era uma das grandes dificuldades da presidente, já que o Congresso encerra suas atividades em 22 de dezembro.
A votação da última emenda está marcada para a próxima terça-feira, e a oposição promete voltar ao processo de obstrução para dificultar a conclusão da votação, mas há menos chances de uma longa disputa em plenário porque há apenas uma emenda para ser analisada.
A emenda, do deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), busca limitar as despesas correntes discricionárias (que o governo pode escolher se executa ou não) ao montante executado no ano anterior.
DIVERGÊNCIAS
A publicação de um decreto presidencial na semana passada, condicionando a liberação de recursos de emendas parlamentares à aprovação do projeto, foi apontado pelos oposicionistas como um instrumento de chantagem do governo para pressionar os aliados.
O decreto descontingencia o Orçamento para as emendas que têm pagamento obrigatório, determinado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Pela nova liberação, cada deputado teria direito a cerca de 740 mil reais em emendas. Neste ano, o governo já empenhou cerca de 5,5 bilhões de reais em emendas parlamentares individuais.
"Hoje, a presidente da República, repito, coloca de cócoras o Congresso Nacional, ao estabelecer que cada parlamentar aqui tem um preço. Os senhores que votarem a favor desta mudança, valem 748 mil reais", disse o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), candidato derrotado à Presidência da República.
Já o líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), afirmou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, também precisou modificar o cálculo da meta em 2001.
"Quando foram governo, também mudaram a LDO e não fizeram todo esse drama que aqui fazem", disse. O projeto altera a LDO para permitir a flexibilização da meta.
O projeto que flexibiliza a meta foi cercado de reviravoltas desde o início de sua tramitação. A proposta chegou a ter sua aprovação na Comissão Mista de orçamento (CMO) adiada duas vezes até que fosse definitivamente enviada ao plenário do Congresso.
Já no plenário, na última terça-feira, as divergências chegaram a provocar confrontos entre a polícia legislativa e manifestantes instalados na galeria do plenário da Câmara, contrários à aprovação da matéria.
RESPONSABILIDADE
Caso o projeto não seja aprovado até o final dos trabalhos do Legislativo, a oposição promete acusar a presidente de crime de responsabilidade, o que, no limite, poderia até mesmo levá-la ao impeachment, segundo os oposicionistas.
Uma fonte do Planalto, porém, disse à Reuters sob condição de anonimato que há um entendimento jurídico no governo de que a presidente não poderia ser acusada por crime de responsabilidade caso o projeto que altera o cálculo da meta de superávit não seja aprovado. O auxiliar presidencial não soube dizer, no entanto, em que se baseia essa leitura.
Na avaliação do governo, a responsabilidade recairia sobre o ministro da Fazenda, razão pela qual Joaquim Levy, indicado para suceder Guido Mantega na pasta, só tomará posse após a aprovação do projeto.
(Reportagem adicional de Jeferson Ribeiro)