Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Operadores do mercado de eletricidade brasileiro estão apreensivos com a próxima liquidação de contratos na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que acontece em 14 e 15 de outubro, com expectativa de que a inadimplência possa alcançar até 90 por cento dos cerca de 5 bilhões de reais envolvidos na operação.
O temor deve-se a uma guerra judicial em torno de um déficit de geração registrado pelas hidrelétricas nos últimos dois anos, devido à seca, que levou a dezenas de liminares que protegem empresas de fazer pagamentos nas liquidações da CCEE.
A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acreditava que resolveria a questão do déficit hídrico antes da próxima liquidação da CCEE, evitando uma nova elevada inadimplência motivada pelas liminares, mas as empresas do setor relutam em aceitar o acordo proposto e com isso mantêm as ações judiciais.
"A expectativa é de que, em função dessas liminares, a inadimplência seja bastante alta, beirando os 80 por cento, 90 por cento... e se você tiver uma inadimplência desse tamanho, quem tem crédito a receber não vai receber", afirmou à Reuters o presidente da comercializadora de energia Comerc, Cristopher Vlavianos.
"Chutaria cerca de 80 por cento de não aporte (dos valores cobrados pela CCEE), dos quais uma boa parte coberto por liminar. Mas já ouvi gente falando em mais de 95 por cento, mais de 90 por cento... tem muita liminar que foi concedida ontem, hoje, então é difícil a gente saber", afirmou o presidente da comercializadora América Energia, Andrew Frank.
O executivo da América lembrou que as empresas que costumam ter mais créditos a receber nas liquidações da CCEE são as que operam termelétricas, como a estatal Petrobras (SA:PETR4), cujas térmicas são acionadas para compensar a geração hídrica abaixo do contratado.
As regras das liquidações financeiras da CCEE, nas quais as empresas devem quitar diferenças entre seus contratos de energia e o total produzido ou consumido, preveem que eventuais inadimplências sejam pagas por outras empresas do mercado, como em um condomínio, o que levou a uma corrida em busca de liminares contra o rateio de débitos.
"Entre os agentes que ficaram sem liminar, há o caso de uma empresa que vai ter que pagar um valor quase 30 vezes maior do que deveria originalmente", disse Frank.
O diretor da comercializadora Safira Energia, Fábio Cuberos, estima que a liquidação de contratos na CCEE envolverá mais de 5 bilhões de reais.
Esses cerca de 5 bilhões envolvem cerca de 1,4 bilhão de reais que não foram honrados na última liquidação realizada, referente a junho, que teve quase 50 por cento de inadimplência, além de valores referentes a julho e agosto.
PESSIMISMO COM ACORDO PIORA CENÁRIO
A liquidação de julho deveria ter acontecido no início de setembro, enquanto a de agosto seria no início de outubro, mas ambas foram postergadas para 14 e 15 de outubro com a expectativa de que fosse possível ter, até essa data, um acordo para que as empresas retirassem as liminares que hoje travam as operações na CCEE.
A negociação envolve um acordo apresentado pela Aneel para que as empresas recebam uma compensação pelas perdas com o déficit de geração das hidrelétricas em troca de desistir das ações judiciais.
Nos últimos dias, no entanto, cresceu o pessimismo quanto ao acordo, que já está na quarta rodada de discussões junto ao mercado, por meio de audiência pública da Aneel que vai até dia 13 de outubro.
"Se a proposta (da Aneel) continuar do jeito que está, ninguém vai assinar, nenhum agente... está muito longe do que se esperava", afirmou o professor do MBA em Setor Elétrico da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Franklin Miguel.
A proposta da Aneel sugere, entre outros pontos, que as hidrelétricas aceitem reduzir o preço de venda da energia em 2015 em 10 por cento para receber uma compensação contábil pelas perdas de faturamento no ano.
O presidente da Abragel, associação que reúne pequenas hidrelétricas, Charles Lenzi, disse à Reuters que o valor é considerado "bastante elevado" e dificulta o acordo neste momento.
A CCEE estimou na segunda-feira que o déficit de produção das hidrelétricas em 2015 deve ficar em torno de 15,4 por cento.
Quando geram menos que a energia que venderam em contratos, essas usinas precisam acertar as diferenças nas liquidações financeiras da CCEE. A Apine, associação que representa investidores em geração de energia, estima que essas empresas tiveram perdas de mais de 15 bilhões de reais com o déficit em 2014, que poderiam ser ainda maiores em 2015.
A Eletrobras (SA:ELET3) estima que perdeu 2,3 bilhões de receita devido à seca das hidrelétricas em 2015, enquanto a Cesp (SA:CESP5) alega uma redução de 2 bilhões no faturamento. Outras elétricas, como a Cemig (SA:CMIG4) e a CPFL, também reportaram problemas com o déficit hídrico em seus últimos balanços.