Agricultores na França entram em greve e realizam manifestações em todo o país nesta 2ª feira (18.nov.2024) contra a assinatura do acordo entre a UE (União Europeia) e o Mercosul.
A mobilização foi convocada pela Fnsea (Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas) e pelo Jeunes Agriculteurs (Jovens Agricultores, em português).
O acordo entre o bloco europeu e o grupo da América do Sul tem sido um motivo de preocupação para os agricultores. Eles temem que o aumento das importações sul-americanas prejudique o setor.
A iniciativa também foi um dos principais alvos das manifestações realizadas no início deste ano em países europeus, incluindo a França.
Além de se manifestarem contra o compromisso, os agricultores também reivindicam que o governo da França cumpra com as promessas feitas em relação às demandas apresentadas pelo setor. Eles pedem por:
- ações imediatas para lidar com questões de saúde pública que afetam a agricultura;
- medidas financeiras para apoiar produtores que enfrentam dificuldades econômicas;
- simplificação administrativa para reduzir a burocracia “excessiva” no setor;
- criação de leis ou políticas que promovam e valorizem o “espírito empreendedor” no setor agrícola;
- proteção e fortalecimento da soberania alimentar da França.
“Não estamos indo longe o suficiente e não estamos indo rápido o suficiente. Há uma catalisação da raiva, que será expressa em mobilizações por todo o território. Nossas reivindicações permanecem as mesmas: simplificação, dignidade, rendimento”, disse o presidente do Jeunes Agriculteurs, Pierrick Horel, a jornalistas em 13 de novembro.
Na ocasião, o presidente da Fnsea, Arnaud Rousseau, afirmou que “agricultura é uma oportunidade para a França que deve ser respeitada e apoiada”.
“A mensagem é clara: queremos coerência europeia. Diante do perigo do Mercosul, estamos todos mobilizados. As políticas públicas e comerciais europeias são um tema central. Se a Europa validar esse acordo, será uma catástrofe para a agricultura europeia e francesa”, declarou.
O ato dos agricultores franceses coincide com o início da Cúpula de Líderes do G20 no Rio de Janeiro.
Existia uma expectativa de que o acordo entre a UE e o Mercosul fosse assinado durante a conferência, realizada de 18 a 19 de novembro. No entanto, a tratativa deve ser finalizada somente em dezembro e pode ser assinada durante a cúpula do Mercosul, em Montevidéu, no Uruguai.
Mesmo que isso ocorra, a França ainda pode ser um obstáculo. O acordo precisa ser ratificado pelos Parlamentos dos países envolvidos para ser implementada. Parlamentares franceses já pressionaram a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (União Democrata-Cristã, centro-direita), a não dar continuidade.
O grupo sul-americano, formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela (que está suspensa), tenta, desde 1999, estabelecer o acordo com a UE, que fixa a redução da cobrança de impostos de importação de bens e serviços.
Ele foi assinado em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Em 2023, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reassumiu o governo, as negociações foram reabertas por causa das novas exigências ambientais da UE.
MACRON SOB PRESSÃO
A assinatura do acordo pode prejudicar Emmanuel Macron (Renascimento, centro). O presidente da França já enfrenta desafios políticos depois que seu partido perdeu as eleições legislativas de julho para a coalizão de esquerda NFP (Nova Frente Popular).
O líder francês poderia sofrer uma queda ainda maior no apoio popular se os agricultores forem profundamente prejudicados pelo acordo.
Macron já se manifestou contra a medida diversas vezes por não atender aos interesses franceses e por preocupações em relações às práticas ambientais.
ENTENDA O QUE MUDA COM A VIGÊNCIA DO ACORDO
Se assinado e ratificado, a União Europeia deverá zerar as tarifas que incidem sobre 92% das importações do bloco sul-americano em até 10 anos.
O Mercosul, por sua vez, deverá acabar com 72% das tarifas que incidem sobre produtos comprados do bloco europeu no mesmo período. Em 15 anos, esse percentual chegará a 91%.
Para o setor agrícola, 81,8% do que a União Europeia importa do Mercosul terá tarifa zero em 10 anos. No mesmo período, 67,4% do que o bloco sul-americano compra ficará sem tarifa.
O acordo também inclui cotas para determinados produtos. Entre eles, estão:
- frango – 180 mil toneladas por ano a mais;
- açúcar – 180 mil toneladas;
- etanol – 450 mil toneladas para uso industrial e 200 mil toneladas para uso geral;
- carne bovina – 99 mil toneladas.
Haverá também flexibilização da chamada regra de origem. Isso permitirá que produtos comercializados dentro do acordo tenham maior volume de componentes importados de outros países.
Na área industrial, a União Europeia irá zerar em 10 anos as tarifas de todas as importações vindas do Mercosul. No mesmo período, 72% dos produtos industriais exportados pela UE para o bloco sul-americano terão os impostos reduzidos. Em 15 anos, o percentual sobe para 90,8%.