SÃO PAULO (Reuters) - "Férias Frustradas" (2015) não é bem um remake do longa homônimo de 1983, estrelado por Chevy Chase e Beverly D'Angelo, que mostrava as desventuras da road trip da família Griswold atravessando os Estados Unidos para visitar o tão desejado parque Walley World.
Tecnicamente, é uma sequência da série de filmes originada pelo sucesso da comédia de Harold Ramis (1944-2014), roteirizada por outro ícone dos anos 1980, John Hughes (1950-2009), a partir de uma crônica escrita pelo próprio, na revista cômica "National Lampoon", na qual se inspirou em sua experiência de infância durante uma viagem para a Disneylândia.
O hit de três décadas atrás foi acompanhado por mais três produções para o cinema – "Férias Frustradas II" (1985), também chamado "Loucas Aventuras de uma Família Americana na Europa"; "Férias Frustradas de Natal" (1989), um clássico natalino; e o posterior "Férias Frustradas em Las Vegas" (1997) –, uma para a televisão – "As Ridículas Férias de Eddie" (2003), centrada apenas no primo Eddie (Randy Quaid) e um curta online – "Hotel Hell Vacation" (2010).
O novo filme é uma sequência desnecessária em sua essência, que, na realidade, recicla o original e claramente faz piada disso. O então garoto Rusty Griswold, filho do louco casal Clark e Ellen, vividos por Chase e D'Angelo, é agora um homem de meia-idade, chefe de sua própria família.
Ao olhar as fotos de suas férias quando jovem, escancara-se para o público a esquizofrenia da mudança de fisionomia de uma imagem para outra, indo do rosto de Anthony Michael Hall, prestes a tornar-se o galã daquela década, à de um Johnny Galecki bem diferente do Leonard de "The Big Bang Theory", por exemplo, já que o adolescente e sua irmã Audrey foram interpretados por atores diferentes em cada longa.
Mas é quando Rusty, agora com Ed Helms à frente do papel, propõe reviver a viagem ao fictício Walley World na Califórnia, com sua mulher Debbie (Christina Applegate) e seus filhos, que a comédia mais se autodeprecia: um de seus garotos diz não conhecer as férias originais e o pai afirma que estas serão diferentes dando a justificativa mais lógica e estapafúrdia possível.
E, apesar de saber de todos os problemas que essas aventuras fora de Chicago trouxeram para sua família, ele acredita que esta escapada é o que seu casamento precisa para ser reaquecido e o que seus meninos necessitam para se acertarem, já que o caçula Kevin (Steele Stebbins, de "Inatividade Paranormal 2") zoa constantemente o primogênito James (Skyler Gisondo, de "Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba").
Além da repetição do destino e do objetivo da viagem, a homenagem às origens da franquia está em uma série de elementos. A introdução com as fotos constrangedoras ao som da canção tema "Holiday Road", do guitarrista do Fleetwood Mac, Lindsey Buckingham, que também é executada nos créditos finais, faz companhia a várias músicas oitentistas, com exceção de "Kiss From a Rose", balada de Seal de meados dos anos 90 que é uma "gag" à parte aqui. O famoso carro modelo perua Truckster, embora não esquecido, dá lugar a um curioso veículo albanês, que se transforma em uma eficiente piada recorrente, assim como o seu hilário GPS – sem falar na garota da Ferrari na pista ao lado.
Durante a jornada do novo clã Griswold, eles ainda encontram os velhos membros da família. Leslie Mann é subaproveitada na pele de Audrey, a irmã liberal hoje casada com o belo e conservador "homem do tempo" Stone Crandall, com o qual Chris Hemsworth (o "Thor") mostra uma inesperada veia cômica. Chevy e Beverly aparecem mais tarde reprisando seus icônicos papéis em uma participação pontual.
Enquanto isso, Helms equilibra o lado paterno de seu personagem tentando ser mais responsável, agindo de maneira tão lunática e pervertida como o antigo Clark, além de estar em sintonia com Applegate, de "Tudo Por um Furo" (2013). Mas são os passageiros do banco de trás que surpreendem na dinâmica de bullying entre o sensível James, que não consegue lidar com as investidas do diabólico Kevin, em um marcante trabalho de Gisondo e Stebbins.
Tanto o antigo quanto o recente "Férias Frustradas" têm a trama de um filme feito para a família, mas com piadas muito mais sujas do que o comum, o que lhes rendeu uma classificação indicativa para maiores de 17 anos nos Estados Unidos e de 16, no Brasil, sendo que o último está saindo com indicação para 14 anos somente.
A diferença é que a edição e as dublagens da TV aberta amenizaram o conteúdo da franquia que o público tem na memória – lembre-se do viés racista da cena em St. Louis no primeiro longa ou os beijos do apresentador em uma adolescente no início do segundo – ao mesmo tempo que as comédias contemporâneas adquiriram um tom mais pesado.
O humor negro, usado na construção de Kevin ou do guia de rafting, funciona melhor do que a escatologia, muitas vezes de gosto duvidoso até no que concerne a arrancar risadas instantâneas. Os diretores e roteiristas John Francis Daley, ator da série "Bones" (2005-2014), e Jonathan M. Goldstein, parceiros de curtas e dos scripts de "Quero Matar Meu Chefe" (2011), entre outros, pecam ao matarem "gags" pelo simples posicionamento e enquadramento de câmera, como na prova da fraternidade e na piscina de águas quentes.
É possível que uma parcela do público ria mais da produção de 2015 do que da de trinta e tantos anos atrás, até porque a série como um todo está longe da excelência. Contudo, esta falha em seu retrato dos tempos atuais, que se resume mais à citação às redes sociais do que a comportamentos, enquanto o original servia como escárnio da era Reagan. No máximo, abraça a nostalgia vazia que marca a Hollywood de hoje. Mas, em uma franquia que satiriza a si mesma, talvez isso seja proposital.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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