SÃO PAULO (Reuters) - Se a memória, em sua persistência aterrorizante ou na sua falta perturbadora, é a força motriz do novo filme de Atom Egoyam, talvez seja porque o próprio cineasta faça nesta produção um esforço para lembrar os seus bons momentos do passado: quando ganhou o Grande Prêmio do Júri, no Festival de Cannes, de 1997, por “O Doce Amanhã”, ou, então “Exótica”, que levou o Prêmio da Crítica Internacional, em Cannes 1994.
Trabalhando com o tema comum ao diretor, assim como a questão da culpa, “Memórias Secretas”, estrelado por Christopher Plummer, tem como premissa uma vingança pessoal levada a extremos, com o Holocausto como pano de fundo. Mais um assunto caro ao canadense, filho de pais armênios, que abordou o genocídio sofrido pelo seu povo pelo então Império Turco-Otomano, durante a 1ª Guerra Mundial, em “Ararat”.
Plummer, vencedor do Oscar por “Toda Forma de Amor”, encarna Zev Guttman, um senhor que, já em seus 90 anos, sofre com uma grave demência – provavelmente, Alzheimer – que o faz esquecer detalhes e passagens de sua vida, mas a tatuagem com seu número de prisioneiro de um campo de concentração lhe serve de lembrete sobre seu passado.
Após a morte da mulher, o imigrante alemão, que foi para os Estados Unidos, foge do asilo, com a ajuda de um colega judeu, em busca de vingança contra um algoz em comum. Mais debilitado fisicamente do que o amigo, Max Rosenbaum (Martin Landau), que também passou pelas mãos do mesmo carrasco de Auschwitz, lhe deixa instruções por cartas do plano que elaboraram para encontrar o oficial nazista que fugiu para a América do Norte usando o nome de uma de suas vítimas – existem quatro “Rudy Kurlander” nos EUA e Canadá, e um deles é interpretado por Bruno Ganz, curiosamente o Adolf de “A Queda! As Últimas Horas de Hitler”.
Partindo de ideias e condições semelhantes à “Amnésia”, de Christopher Nolan, mas com trajetórias bem diferentes, o roteirista estreante Benjamin August recai no melodrama e em situações forçadas, cuja direção de Egoyam não consegue torná-las mais verossímeis. Neste sentido, a sequência mais problemática é a do encontro de Zev com o filho de um dos Kurlander e seu pastor alemão.
Interpretado de forma caricata em sua maldade e nervosismo por Dean Norris, das séries “Breaking Bad” e “Under the Dome”, o policial é construído de maneira ilógica, enfraquecendo o momento que deveria mostrar de forma contundente como as ideias nazistas sobrevivem até hoje, em pessoas aparentemente comuns.
O roteiro então se agarra em seu trunfo: seu grande plot twist, que faz boa parte do público relevar o que veio antes, guardando na memória apenas o impacto da surpreendente virada final.
Porém, mesmo este desfecho catártico peca ao apresentar uma última cena redundante e de pouca fé na inteligência da plateia ao detalhar o plano inicial. Esses altos e baixos do texto são identificáveis também na trilha sonora de Mychael Danna, antigo parceiro do cineasta. Entre seus arranjos de cordas e a introdução de clássicos do judeu Mendelssohn e de Wagner, o favorito de Hitler, alterna bons momentos de tensão com altas doses de sentimentalismo.
É a performance de Plummer, sempre dando credibilidade e profundidade ao drama de seu protagonista, que confere o equilíbrio necessário e certo brilho à produção germano-canadense.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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