SÃO PAULO (Reuters) - A pura e simples sobrevivência parecia improvável para Phiona Mutesi, garota ugandense que nasceu na favela de Katwe, em Kampala, capital do país. Seu pai morreu de Aids quando ela tinha 3 anos, sua irmã, de causa desconhecida.
Quando Phiona andava com seu irmão vendendo legumes pelas ruas para ajudar no sustento da família, ainda analfabeta aos 9 anos, ela conheceu o missionário Robert Katende e foi apresentada ao xadrez. Antes dos 20 anos, a enxadrista acumulava títulos e se tornava Grande Mestre.
Uma história real tão inusitada e com tamanho potencial dramático não escapou ao radar do jornalista esportivo norte-americano Tim (SA:TIMP3) Crothers, que produziu um artigo e depois um livro, que foram o ponto de partida do filme “Rainha de Katwe”.
Nele, a diretora indiana Mira Nair (“Amelia”) coloca o melhor do seu empenho internacionalista, contando com a presença de dois competentes atores de alta visibilidade: a vencedora do Oscar de coadjuvante 2014, a mexicano-queniana Lupita Nyongo’o (“12 anos de escravidão”) e o duas vezes indicado ao Globo de Ouro, o britânico David Oyelowo (“Selma”).
Lupita interpreta Harriet, a mãe viúva da menina, que conduz a família com a maior energia possível depois da morte do marido. Por conta da pobreza, a filha Phiona (Madina Nalwanga) e os irmãos tiveram que deixar a escola de lado. A falta de escolaridade, no entanto, não foi obstáculo ao seu brilhante raciocínio, capaz de prever várias jogadas adiante num jogo de xadrez, detalhe logo notado por seu mentor.
É fácil encontrar pontos de contato entre o trabalho assistencial de Katende (David Oyelowo), um ex-jogador de futebol e enxadrista, junto às crianças da favela ugandense e projetos em ambientes parecidos no Brasil – embora a situação retratada pelo filme mostre um contexto de maior miséria.
De todo modo, um acerto no filme de Mira Nair é encontrar um equilíbrio ao evidenciar os efeitos da pobreza sobre a vida da menina, até para dar conta da enormidade do salto que ela teve que dar para sua superação.
Para começar, a alfabetização. Depois, a conquista da auto-estima e da segurança para participar de competições, diante de grupos de crianças mais privilegiadas, dentro de Uganda, depois no exterior. E também a própria resistência eventual da mãe, que tem que permitir que a menina se aparte dela, viaje com o mentor e outros garotos, o que certamente priva a família desvalida de uma de suas fontes de renda.
Demora um pouco até Phiona poder resgatar seu clã de um ciclo de pobreza, exploração, machismo, violência, a partir do exercício magistral de um jogo que sequer tinha uma palavra própria a designá-lo no idioma natal da menina.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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