Por Philip Pullella
CIDADE DO VATICANO (Reuters) - Seis meses atrás, o papa Francisco descartou especulações de que estava prestes a renunciar devido a problemas de saúde, mas mesmo que tivesse cogitado a ideia, ele enfrentava um grande obstáculo: já havia outro papa emérito.
A morte no sábado de Bento 16, que em 2013 se tornou o primeiro pontífice em 600 anos a renunciar em vez de ocupar a função até sua morte, deve facilitar qualquer decisão sobre renúncia a Francisco e à Igreja, que já sofreu o suficiente por ter "dois papas".
Também poderia levar o atual pontífice a revisar o que acontece com os futuros papas que decidem deixar a função por causa da idade avançada, ao invés de esperar até morrer.
Francisco tem agora 86 anos, um ano a mais do que Bento 16 quando renunciou. Apesar de precisar de uma bengala e uma cadeira de rodas, ele não mostra sinais de desaceleração. Estão previstas viagens para África este mês e para Portugal em agosto.
Ele tem deixado claro que não hesitaria em renunciar algum dia se sua saúde mental ou física o impedisse de liderar a Igreja de 1,3 bilhão de membros.
Em entrevista à Reuters em 2 de julho, ele rejeitou os rumores de renúncia iminente. "Nunca me passou pela cabeça", disse Francisco, também negando rumores entre diplomatas de que tinha câncer.
Mas à medida que se aproxima do 10º aniversário de sua eleição em março, e a quatro anos de completar a nona década de vida, as chances de renúncia aumentarão.
A lei da Igreja diz que um papa pode renunciar, mas a decisão precisa ocorrer sem pressão externa, uma precaução que remonta aos séculos em que potentados europeus influenciavam o papado.
Agora que a expectativa de vida mais longa tornou as renúncias papais não mais impensáveis, tem havido repetidos apelos de líderes da Igreja para regulamentar o papel dos ex-pontífices, em parte por causa da confusão causada por dois homens vestidos de branco que vivem no Vaticano.
Francisco disse a um jornal espanhol no mês passado que não pretendia definir o status jurídico dos papas eméritos, embora já tivesse indicado em particular que um departamento do Vaticano poderia redigir tais regras.
O cardeal australiano George Pell, um conservador próximo a Bento 16, escreveu que, embora um pontífice aposentado possa manter o título de "papa emérito", ele deveria voltar a ser cardeal e ser conhecido como "cardeal (sobrenome), papa emérito".
Pell também defendeu que um ex-pontífice não deveria usar branco, como fez Bento 16, dizendo à Reuters em uma entrevista em 2020 que era importante que os católicos deixassem claro que "há apenas um papa".
Acadêmicos e canonistas da Universidade de Bolonha, na Itália, que estudam o assunto, afirmam que a Igreja não pode arriscar nem mesmo a aparência de ter "duas cabeças ou dois reis" e propuseram um conjunto de regras.
Eles dizem que um ex-papa não deve voltar a ser cardeal, como propõe Pell, mas ser chamado de "bispo emérito de Roma".
Francisco declarou à Reuters em julho que é assim que ele gostaria de ser chamado.
Nesse caso, pode não haver necessidade de nova legislação, ele estaria sujeito às regras existentes que abrangem os bispos eméritos.
As regras existentes dizem que os bispos eméritos devem "evitar toda atitude e relacionamento que possa sugerir algum tipo de autoridade paralela à do bispo diocesano, com consequências prejudiciais para a vida pastoral e a unidade da comunidade diocesana".
Embora tenha renunciado, Bento 16 escreveu, deu entrevistas e, involuntariamente ou não, tornou-se um para-raios para os oponentes do papa Francisco, seja por razões doutrinárias ou porque relutavam em abrir mão dos privilégios clericais que o novo papa queria desmantelar.
Francisco disse à Reuters que não ficaria no Vaticano ou voltaria para sua Argentina natal, mas viveria modestamente em uma casa para padres aposentados na capital italiana "porque é minha diocese". Ele afirmou que gostaria que fosse perto de uma grande igreja para que pudesse passar seus últimos dias ouvindo confissões.