Por Nicolás Misculin
BUENOS AIRES (Reuters) - Alberto Fernández já alcançou um feito. O confidente de presidentes e solucionador de problemas nos bastidores, pouco conhecido fora dos círculos políticos da Argentina meros cinco meses atrás, assumirá o principal cargo da terceira maior economia da América Latina.
Agora o peronista moderado e fã de Bob Dylan, em homenagem ao qual batizou seu collie marrom e branco, terá que realizar uma façanha ainda maior, uma vez que o país está às voltas com temores de um calote, uma elevada inflação e um crescimento estagnado.
Os eleitores argentinos foram às urnas no domingo, dando a Fernández uma vitória imediata sobre o presidente Mauricio Macri, finalizando uma ascensão meteórica para o professor universitário que foi anunciado como candidato em maio por sua colega de chapa mais célebre, a ex-presidente Cristina Kirchner.
"Alberto é uma pessoa que está no lugar certo na hora certa", disse Jorge Taiana, ex-ministro das Relações Exteriores que serviu no mesmo gabinete do advogado e professor de 60 anos entre 2003 e 2008.
"Ele é um homem inteligente, com bom treinamento, que ouve, que dialoga, que defende seu ponto de vista", disse Taiana à Reuters. "Nunca o vi assumir uma posição dogmática".
Estas habilidades de negociador serão cruciais. Após a eleição, o país deve ter discussões complexas com seus credores, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI) -- um colapso do peso deixou a Argentina à beira de um calote, já que as reservas secaram e os custos dos empréstimos saltaram.
Ironicamente, o colapso foi causado pela vitória esmagadora do próprio Fernández em uma eleição primária contra Macri em agosto, já que os investidores expressaram receio com sua colega de chapa populista e dúvidas a respeito das diretrizes do candidato.
TEMPOS MUDANDO
Essa flexibilidade o ajudou a unir o nebuloso campo político peronista, e sua imagem de homem do povo mais afável ajudou a atrair os eleitores da classe média preocupados com a volta da polarizadora Cristina.
Fernández continuou aplicando provas na Universidade de Buenos Aires, onde leciona, até este mês.
Como exemplo de sua maleabilidade camaleônica, Fernández já foi parlamentar de um partido neoliberal em Buenos Aires, chefe de gabinete peronista e integrante do partido União Cívica Radical nos anos 1980.
Isso se reflete em seu gosto eclético para a música. Por trás do bigode austero e do terno formal que usa como professor de Direito, Fernández esconde um fã de rock que se volta para a guitarra todas as vezes em que a política argentina dá uma folga.
Ele é "louco por música, um cara muito culto", disse Lito Nebbia, pioneiro do rock argentino que é seu ídolo e se tornou seu amigo, a respeito do candidato peronista em uma entrevista a uma rádio neste ano.
Indagado sobre suas influências ideológicas, Fernández disse em uma entrevista a uma rádio que elas incluem pensadores políticos mais óbvios, como o ex-presidente Juán Perón, mas também uma série de músicos.
"Mas também há muito de Nebbia, Bob Dylan, Joan Báez e El Flaco (Luis Alberto) Spinetta", contou Fernández, que quando tinha 16 anos deixou o bigode crescente em homenagem a Nebbia e até fez aulas de guitarra com ele.
Dylan, compositor norte-americano de canções como "Blowin' In the Wind" e "The Times They Are A-Changin'", até inspirou o nome de seu collie, que tem muitos fãs nas redes sociais e é visto com frequência ao lado de Fernández.
PERONISTA DE VERDADE?
Uma grande dúvida para muitos --investidores, agricultores e eleitores-- é quão confiáveis são as credenciais peronistas de Fernández. Há desde quem tema que ele seja um fantoche de visões kirchneristas extremas até quem receie que ela não seja peronista suficiente.
O peronismo é um movimento político amplo que se estende por todo o espectro da política argentina, mas que se concentra em uma ideia de "justiça social".
"Não gosto dele. Em sua mente ele não é um peronista. As visões econômicas de Alberto são neoliberais", opinou Guillermo Moreno, ex-secretário de Comércio que integrou o gabinete ao lado de Fernández durante anos, no início de 2019.
Nascido em uma família de advogados, Fernández trabalhou dentro do peronismo durante anos. Ele foi chefe de gabinete de Néstor Kirchner, marido de Cristina, entre 2003 e 2007 e no primeiro ano de Cristina, que governou entre 2007 e 2015.
Seu relacionamento com sua colega de chapa também é complexo. Ele foi um crítico duro de Cristina durante o governo de sua futura vice, que adotou políticas populistas como controles monetários, além de limites e impostos às importações agrícolas.
A dupla se reconciliou no ano passado, e usou as diferenças com habilidade para conquistar o palácio presidencial da Casa Rosada. Se isso durará ou não é outra questão.