Nos últimos meses, os mercados foram tomados pela sensação palpável de euforia. Lembro-me da última vez em que os investidores quase entraram em pânico. Foi em 1998, quando, após uma correção, o mercado deu início a uma corrida aparentemente sem fim até o pico de 2000.
Não gosto muito de analogias de mercado, pois dois ambientes de negócios nunca são os mesmos. Entretanto, muitas comparações estão sendo feitas atualmente com a década de 1990 para explicar o atual bull market. O gráfico é o seguinte.
Comparação entre o S&P 500 em 1998 vs. Pico de 2020 à data atual
Outra comparação são os valuations.
Relação preço-lucro no S&P 500
Atualmente, o S&P 500 está sendo negociado a 31x os lucros reportados e ciclicamente ajustados (CAPE). Para fins de comparação, indiquei o CAPE a 25x no gráfico acima, alinhando-o aos picos de valuation ao longo da história.
O desvio nos valuations acima da média de longo prazo também só ocorreu no fim dos anos 90.
Desvios de valuation
Tipo de especulação do fim dos anos 90
No fim da década de 90, também havia uma especulação desenfreada em empresas sem lucro, simplesmente porque estavam associadas à ascensão da internet. Ações como JDS Uniphase, Lucent Technologies, Global Crossing, Enron, SDLI e várias outras subiam a cada pregão 50 pontos ou mais.
Ganhar dinheiro era tão fácil no mercado que as pessoas largavam o emprego para se tornar day traders. Todo mundo, desde caixas de supermercado até barbeiros, virava guru de ações e ganhava dinheiro tão fácil que a pergunta era: por que não alavancar?
Dívida com margem e remanescentes de caixa livre
Ou melhor ainda: por que não usar opções de compra para impulsionar ainda mais o poder do seu dinheiro? Atualmente, o nível de calls existentes no mercado é maior do que vimos naquela época.
Forte disparada do trading de risco
Valor é para os “boomers”
Já discuti a disparidade de valor e o desvio entre valor e crescimento.
Parte dessas discussões tinha a ver com similaridades vistas em picos anteriores do mercado, em que os investidores abriram mão da cautela e pagavam preços astronômicos para adquirir as “ações do momento”.
Apesar de a maioria dos investidores jovens hoje considerar que “comprar valor” é para os “boomers”, vale lembrar o que Scott McNealy, então CEO da Sun Microsystems, disse aos investidores que estavam pagando 10x a relação preço/vendas de uma empresa, em uma entrevista à Bloomberg em 1999.
“Ao valor de 10 vezes as receitas, para se obter um retorno financeiro em 10 anos, eu teria que distribuir 100% das receitas por 10 anos seguidos em dividendos. Esse cenário implica que eu consiga fazer isso através dos meus acionistas. Também implica que eu tenha custo zero com a venda de produtos, o que é extremamente difícil para uma empresa de computadores.
Implica ainda zero de despesas, o que é complexo quando se tem 39.000 colaboradores. Sem falar nos impostos, pois teria que deixar de pagá-los. Inclusive impostos sobre seus dividendos, o que me parece ser ilegal. Também implica zero investimento em P&D pelos próximos 10 anos, mantendo a atual taxa de geração de receita.
Depois de fazer isso tudo, algum de vocês estaria disposto a comprar minha ação a US$ 64? Consegue perceber quão ridículo seria esse cenário? Você não precisa de qualquer transparência. Não precisa de notas de rodapé.
No que estava pensando?”
Quanto você tem?
Existem hoje centenas de empresas sendo negociadas muito acima de 10x sua relação preço/vendas. Abaixo apresentamos uma lista de algumas das “ações do momento” que os jovens investidores não hesitam em negociar a 10x ou mais.
Relação preço/vendas
Evidentemente, muito disso já é “história esquecida”, já que muitos investidores hoje a) não estavam vivos em 1999 ou b) ainda são muito jovens para investir. Para a nova geração de investidores, a falta de experiência não lhes permite atinar para a importância dos valuations para os resultados futuros. Isso só se aprende através da experiência.
As bolhas têm a ver com psicologia
Assim como ocorreu em 1999, os investidores acreditam que as ações sejam basicamente um investimento que envolve apenas uma decisão. Basta comprá-las, e elas só podem subir de preço. Em 1999, a grande maioria dessas empresas era financeiramente instável ou estava supervalorizada no melhor dos casos. Hoje, como mostramos acima, a situação não é muito diferente.
É importante notar que, assim como em 1999, “ninguém” dizia que havia uma “bolha de tecnologia”. Como ressaltou Mark Hulbert no início deste ano, a verdade é que ocorreu o oposto. Esse também parece ser o sentimento atual:
“Depois de ler os arquivos dos jornais de janeiro de 2000, fiquei impressionado com as similaridades entre o momento atual e aquela época. Em meados de janeiro daquele ano, por exemplo, um editor de jornal chegou a afirmar que se sentia entusiasmado com o fato de o Fed sinalizar que não elevaria as taxas de juros de forma tão agressiva quanto se pensava. Outro disse ainda: "a inflação está morta". Um terceiro comemorou a força da economia, com base nos robustos gastos dos consumidores na época de Natal que acabara de terminar.
Soa familiar? Essas similaridades, entretanto, não significam que o mercado americano esteja no topo ou perto dele. Elas simplesmente ilustram o falso conforto que temos ao dizer que um bear market não pode acontecer, já que a economia está forte, a inflação está moribunda e o Fed está adotando uma política acomodatícia.”
Como ressalta Mark, a extensão dos valuations é preocupante. No entanto, valuations não são uma boa medida de “bolhas” de mercado. Por quê? Porque as bolhas são um fenômeno psicológico, em que a ganância dos investidores sobrepuja completamente a lógica e a moderação.
Mais similaridades do que você pensa
O atual bull market é de longe um dos mais longos da história. Depois de subir por 137 meses e 2783 pontos desde as mínimas de março de 2009, ele entrará para o livro dos recordes. Cabe lembra, entretanto, que estamos apenas na primeira metade de um ciclo completo de mercado.
Bull markets no S&P 500
Eis algumas similaridades:
Em 1999:
Fed estava fornecendo liquidez antes dos problemas do ano 2000
Crescimento econômico começava a se deteriorar.
Juros estavam caindo.
Os resultados corporativos estavam crescendo, apesar do uso de “novas métricas”, recompras de ações e processos de fusão e aquisição desenfreados. (Quem consegue se esquecer dos gigantes de mercado Enron, Worldcom e Global Crossing?)
Margens financeiras/alavancagem eram usadas em níveis recordes.
O mercado acionário estava começando a ficar parabólico, com a explosão da euforia em um mercado “imperdível”.
Ativo especulativo preferencial: ações ponto.com
Em 2007:
Fed discutia que o subprime estava “contido”.
Crescimento econômico começava a se deteriorar.
Juros estavam caindo.
Endividamento e alavancagem forneciam um forte impulso de compra no mercado imobiliário, criando um “efeito patrimonial” aos consumidores, e os elevados valuations eram justificados pelo “Princípio de Cachinhos de Ouro”.
Margens financeiras/alavancagem eram usadas em níveis recordes.
O mercado acionário estava começando a ficar parabólico, com a explosão da euforia em um mercado “imperdível”.
Ativo especulativo preferencial: mercado imobiliário
Em 2020:
Fed continua alimentando os mercados com políticas acomodatícias.
Crescimento econômico em deterioração.
Taxas de juros continuam em declínio.
Os resultados corporativos crescem, apesar do uso de “novas métricas”, recompras de ações e processos de fusão e aquisição desenfreados.
Margens financeiras/alavancagem voltaram a ser usadas em níveis recordes.
O mercado acionário está começando a ficar parabólico, com a explosão da euforia em um mercado “imperdível”.
Ativo especulativo preferencial: ações propícias ao “trabalho remoto”
Evidentemente, essas são apenas algumas das similaridades.
Como ressaltamos acima, os valuations em todos os três casos superaram os picos de longo prazo dos mercados de 23x os lucros reportados. Além disso, como vimos em cada caso anterior, a confiança dos investidores está testando níveis extremos.
Nível de medo/ganância no mercado
Já vimos isso antes
Novamente, nada disso sugere que o mercado sofrerá um crash amanhã.
A história sugere que os mercados podem e vão continuar subindo no curto prazo. Como afirmei, o momentum é algo difícil de acabar.
No entanto, já joguei esse jogo antes e, com diz o velho ditado:
“Quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas.”
Se você já tem tempo de mercado, consegue rapidamente saber quem são os “patos” na mesa de pôquer.
Eles são aqueles que constantemente defendem que os preços só podem subir, que desta vez será diferente das anteriores e só se concentram nos suportes de alta.Tentar um “inside straight draw” não é impossível; porém, o mais das vezes, só gera perdas.
Jogar no mercado financeiro pode ser divertido no curto prazo. Entretanto, seria melhor se você sempre se lembrasse por que Las Vegas consegue obter lucros bilionários a cada ano.
Se você jogar o tempo suficiente, descobrirá que “a casa sempre vence”.