Enquanto no Brasil nos debatíamos sobre a decisão intempestiva da autoridade monetária em manter o juro em 14,25%, a despeito do que achavam os players de mercado, em Davo, Suíça, na chamada “montanha mágica”, os debates seguiam intensos sobre os rumos da economia global. Em poucas palavras, parece consenso para todos que participam deste evento que os emergentes devem sofrer mais neste ano, ao contrário dos desenvolvidos, destacando os EUA e a Zona do Euro, em consistente crescimento, puxado pelo retorno da confiança e as boas políticas de ajuste praticadas depois de 2008.
Nos emergentes, a China seria um caso à parte. Nos outros, o que se fala é que, depois da farra das commodities e da abundante liquidez global antes de 2008, países como Brasil e Rússia adotaram políticas fiscais muito ativas (chamadas, anticíclicas e keynesianas), na expectativa de que este ciclo de baixa das commodities fosse temporário e voltasse em algum momento. Não foi o que aconteceu, até porque no caso das commodities agrícolas (como soja) e minerais (como minério de ferro) a tendência é de um patamar mais baixo, já que a China, maior demandante, segue desacelerando. A dúvida aqui é saber em que intensidade. Muitos acham que o “dragão chinês”, depois de crescer 7,4% em 2014 e 6,9% em 2015, deve crescer menos em 2016, talvez em torno de 6,0% a 6,5%, este último uma aposta do governo chinês.
Soma-se a isto, o recuo do barril de petróleo (pela menor demanda chinesa mas também pela maior oferta mundial) tende a ser positivo para os países desenvolvidos por reduzir os custos e a inflação mas, por outro lado, impactará mais os países mais dependentes, como Nigéria, Venezuela, Rússia, etc. Na margem, o Brasil, na visão dos observadores em Davos, seria um caso único na análise do tabuleiro mundial.
Keneth Rogoff, economista-chefe do FMI, nos colocaria entre os piores dos emergentes, na turma da Rússia, abalada por uma guerra civil na Ucrânia e vivendo intensamente a perda de receita pela queda do barril do petróleo (ameaça recuar abaixo de US$ 20 no médio prazo). Para ele, o mundo não deve ingressar num ciclo recessivo neste ano e nos próximos, mas a desaceleração dos emergentes tende a ser abrupta, de crescimento em torno de 6% para 3%. Na visão do FMI, estampada pelo World Economic Outlook, relatório de projeções sobre a economia global, esta desaceleração aguda dos emergentes se explicaria pela perda de dinamismo dos chineses, dado o forte recuo da indústria, da construção civil e dos investimentos em ativos fixos, embora com serviços ainda dinâmicos, e na América Latina e Caribe pelo desabamento do Brasil, país com grande peso na região.
As projeções do FMI para nós, aliás, neste ano recuando 3,5%, depois de desabar 3,8% em 2015, para seguir numa economia estagnada em 2017, explicaram, em parte, inclusive, a virada da política monetária do BACEN na semana passada. Explicam, também, o “banzo latino americano”, com a região recuando 0,3% neste ano, mesma taxa do ano passado, possivelmente se recuperando no ano que vem (+1,6%), desde que o Brasil também saia da recessão.
O FMI, e isto parece consenso, não considera sustentável nossa política fiscal ativa dos últimos anos, carregada de subsídios, isenções fiscais, e cobra por mudanças. Para Rogoff, toda atenção é pouca nos movimentos do novo ministro, Nelson Barbosa, condenando, de antemão, possíveis recaídas sobre o resgate de políticas erradas do primeiro mandato.
Voltando a falar da China, chama atenção a forte saída de recursos do País em 2015, em torno de US$ 59 bilhões, numa revoada de investidores, talvez desconfiados com os rumos que a economia irá trilhar nos próximos anos. Parece-nos claro que a farra dos anos 2000, quando a economia cresceu sempre acima de dois dígitos, parece ter ficado para trás. Não existe mais espaço para crescer 10%, 11% ao ano. Se muito, crescerá nos próximos anos, “escorregando”, entre 6,5% para 5,5%. Lembremos que isso se dá sobre nova base, muito maior. Sobre a política cambial, o Banco Popular da China deve, aos poucos, ir colocando sua estratégia em sintonia com o mercado, deixando o yuan deslizar, até pensando no estímulo às exportações. Estas, com o tempo, devem melhorar no seu conteúdo, com produtos de mais alto valor agregado, inserindo mais o país no comércio internacional, no que se refere às grandes cadeias produtivas. Este é, aliás, um dos objetivos do país no longo prazo.
É urgente, no entanto, que este processo ocorra num contexto de maior transparência na divulgação de informações econômicas, tendo-se então a real dimensão sobre o estado da economia chinesa, um dos desafios a serem enfrentados. Fala-se, inclusive, que o processo de desaceleração do país é ainda mais intenso do que o divulgado. Nas estatísticas oficiais, a China desacelerou a 6,9% no ano passado, mas muitos acham que nem isto, ficando pela metade.
Por fim, num balanço final sobre Davos, o que se observa é que a biruta virou a favor dos desenvolvidos e de alguns emergentes, que fizeram seu dever de casa, ajustando suas economias e colocando na agenda as reformas necessárias, como o México e a Índia. O mundo passa por um momento de transição, e o comportamento das bolsas de valores nas últimas semanas bem refletiu isto, no que muitos já chamam de bull market. Pouco se sabe no que isto vai dar...
Neste contexto, será essencial que políticas econômicas cautelosas e consistentes sigam sendo adotadas e reformas estruturais avancem. As políticas fiscais devem seguir austeras, sendo complementadas pelas monetárias, de estímulo (ou de aperto), dependendo do caso.
Na visão do FMI, o mundo deve continuar crescendo, com os desenvolvidos se recuperando e os emergentes desacelerando. Sobre isto, cabe salientar as boas políticas praticadas pelo México e a Índia, e os bons ventos trazidos na Argentina, pela alternância de poder, com a ascensão de Maurício Macri, oposicionista ao modelo kirchnerista. Merece destaque, também, o fato de Macri ter sido o grande personagem em Davos, enquanto Nelson Barbosa, pelo Brasil, se manteve em posição discreta. Nada mais sintomático. Aqui vai um recado. Não dá mais para se guiar pelo dogmatismo, por tolices teóricas, tão caras ao País no passado recente. É só ver como estamos: recessão profunda e duradoura, desemprego em alta, inflação galopante e câmbio nas alturas.
O momento atual é de “freio de arrumação” e não mais de “inventar a roda”, adotando políticas fiscais ativas e não mágicas heterodoxas, algo evidentemente fracassado no passado.
Não dá para jogar crédito no mercado e esperar que a economia volte a crescer. Vivemos uma crise profunda de confiança. Se os agentes econômicos não quiserem demandá-lo, dada a desconfiança no atual governo, o alto endividamento e o desemprego, nada feito. Usemos então uma velha metáfora dos bancos, “iremos levar o cavalo à água para ver se ele quer bebê-la. Não poderemos, no entanto, forçá-lo”. O mesmo acontece com o crédito. Se os agentes não quiserem tomá-lo...
Uma possível reversão de expectativas só se materializará se vier com medidas de política econômica consistentes na sua lógica, bem compreendidas e absorvidas pelos agentes. Sem isto, continuaremos paralisados no voluntarismo, no improviso, no atual atoleiro fiscal e no impasse político, muito mais, pela cegueira em não enxergar o que tem que ser feito.