Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Uma proposta de reguladores de estabelecer chamadas de margem semanais junto aos agentes do mercado de comercialização de energia elétrica do Brasil vai aumentar custos operacionais das empresas, o que deve gerar alguma resistência no setor às medidas, disseram especialistas à Reuters.
A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apresentaram nesta semana um pacote de iniciativas que visa aumentar a segurança contra inadimplência na comercialização, em movimento que vem após casos de algumas "tradings" de energia que enfrentaram dificuldades financeiras e descumpriram contratos.
Mas a proposta de chamadas semanais de margem, que na prática funcionará como um aporte de garantias prévio à liquidação financeira das operações, que acontece em base mensal, tem levantado alguma polêmica entre as comercializadoras.
CCEE a Aneel defendem que o mecanismo poderia reduzir eventuais inadimplências, uma vez que empresas que não depositassem os valores para assegurar suas operações poderiam ser punidas mais rapidamente do que se fosse necessário esperar a liquidação mensal das transações, mas essa visão não é unânime.
"Eu acho que não vale o custo-benefício. Se você antecipa, talvez você esteja de certa forma diminuindo o impacto, mas é muito pequeno. Esses 20 dias de antecipação não vão resolver o problema da inadimplência e vão gerar um operacional muito pesado", disse à Reuters o presidente da Comerc Energia, Cristopher Vlavianos.
"Isso deveria ser revisto, porque vai quadruplicar o trabalho de todos os agentes", acrescentou o executivo da comercializadora, uma das maiores empresas do setor.
A medida provavelmente exigiria até contratação de pessoal ou investimento em software por parte das empresas, custos que podem acabar repassados aos consumidores que atuam no mercado livre de energia --onde grandes clientes como indústrias podem negociar contratos de suprimento diretamente com fornecedores, disse Celso Concato, diretor comercial da Evo Energia.
"Quando você agrega custo a um produto, de alguma forma isso vai ser precificado. Tudo isso gera um trabalho adicional que acaba impactando no custo. Vai precisar de uma dedicação maior de mão-de-obra", afirmou.
As queixas dos comercializadores lembram um movimento anterior no mercado, quando o setor resistiu fortemente a uma tentativa do governo em 2012 de estabelecer obrigatoriedade de registro semanal prévio dos contratos de energia.
Na época, comercializadoras alegaram que isso geraria custos extras e foram à Justiça, onde conseguiram travar a proposta.
EVOLUÇÃO DO MERCADO
O presidente da consultoria em energia PSR, Luiz Barroso, afirmou à Reuters que a chamada de margem "aumenta o custo de transação" e "possui desafios de implementação", mas defendeu que a regra deve contribuir para aumentar a segurança no mercado.
"O grande desafio está sendo tentar implementar medidas oriundas do mundo financeiro, mais bursátil, em um mercado físico e de balcão, que é a realidade do mercado de comercialização brasileiro", afirmou ele.
O consultor defendeu ainda que os reguladores deveriam buscar também outras ações, como eventualmente mudar o capital mínimo exigido das comercializadoras ou restringir o montante que elas podem operar de acordo com seu tamanho.
"Essa sim é medida importante e de mais fácil implementação", afirmou.
Inicialmente, os reguladores previam mudanças nas exigências para adesão de comercializadoras ao mercado, mas o presidente da CCEE, Rui Altieri, disse nesta semana que medidas nesse sentido ainda estão em avaliação.
Barroso, que é ex-presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), disse também que a princípio avalia que as medidas anunciadas ainda não são suficientes para impedir uma "alavancagem excessiva" por parte de alguns agentes.
"No fundo, não dá para transportar tudo do mundo financeiro para um mundo físico bilateral", afirmou ele, defendendo que as autoridades brasileiras precisam tomar medidas para que no futuro o setor tenha uma organização mais próxima à do mercado financeiro, incluindo uma clearing house para assegurar as operações dos agentes e mitigar riscos de inadimplência, como ocorre em bolsas de valores.
Essa transição do mercado para um ambiente de bolsa é um desejo das autoridades e deverá ser implementado no médio prazo, o que passa no curto prazo por medidas como a chamada semanal de margem, defendeu o gerente-executivo de Contabilização e Liquidação da CCEE, Ediléu Cardoso.
"A chamada de margem é um primeiro passo em uma trajetória maior de evolução do mercado", afirmou.
Ele disse que esse caminho já foi seguido por outros países e acrescentou que a CCEE e a Aneel estão abertas ao diálogo com as empresas do setor para aprimorar as propostas.
O pacote de medidas apresentado pelos reguladores ainda passará por uma audiência pública antes de ser implementado, o que é previsto atualmente para a partir de janeiro de 2020.
"Pelo lado do investimento que é necessário para essa evolução, o interessante é que isso faça sentido pensando nessa trajetória (de aproximar o mercado do setor financeiro)", afirmou.