Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Tradicionalmente uma empresa mais açucareira que a média do mercado, a gigante do setor de açúcar e etanol Raízen prevê elevar para 55% a destinação de cana para a produção do adoçante em 2020, em um momento em que a desvalorização da moeda no Brasil favorece negócios com o produto na safra atual e futuras, frente a concorrentes como Índia, Tailândia e Austrália.
A afirmação é do presidente-executivo da Raízen, Ricardo Mussa, que está completando um mês no posto, numa situação jamais imaginada devido às consequências do coronavírus. A pandemia tem provocado maiores perdas no etanol, por queda na demanda e preços menores.
Se no açúcar a expectativa da companhia é de que o consumo global venha a ser pouco afetado, uma vez que é um produto da indústria de alimentos com demanda mais "inelástica", no etanol o mercado interno registra uma queda de até 50% nas vendas, por conta das medidas de isolamento.
Mas a empresa espera minimizar os prejuízos graças a operações de hedge realizadas antes do surto da Covid-19 e com sua capacidade de estocagem, o que lhe permitirá escoar o etanol quando o consumo estiver melhorando.
"A gente já vinha fazendo um trabalho de gestão de risco muito bom, fizemos uma fixação de preços muito boa, 85% da safra de açúcar já fixada, mas fizemos (também) algo que ninguém fez, foi fixar o etanol... fizemos fixação do produto equivalente, que é a gasolina", disse Mussa, em entrevista à Reuters por meio de videoconferência nesta quinta-feira.
"Quase 50% da safra de etanol já está fixada, e o impacto em termos do preço este ano é menor que a média de mercado", acrescentou ele.
A indústria sucroenergética tradicionalmente faz vendas antecipadas de açúcar, uma commodity negociada em bolsa. Mas no caso do etanol tais operações são mais raras, devido à escassez de mecanismos.
O hedge agora é possível, contudo, porque a Petrobras (SA:PETR4), dona de praticamente todo o parque de refino do Brasil, tem seguido nos últimos anos o mercado internacional para realizar reajustes da gasolina, o concorrente do etanol hidratado.
CENÁRIO DO AÇÚCAR
Mussa, que atua no grupo Cosan (SA:CSAN3) --uma das donas da Raízen, juntamente com a Shell--, desde 2007, ressaltou que apesar dos desafios a empresa está preparada para uma grande safra de cana no centro-sul do Brasil, que tem mostrado "boas produtividades" em seu início.
O novo presidente da Raízen, que na conjuntura do coronavírus tem se comunicado com os funcionários principalmente por uma ferramenta de vídeo --sendo que um deles foi assistido por mais de 6 mil pessoas-- contou que a empresa colocou em atividade, na terça-feira passada, a última usina planejada para operar na temporada 2020/21.
A companhia, maior produtora global de açúcar e etanol de cana, vai operar com 23 das suas 26 usinas no atual ciclo, iniciado em abril --três unidades estão hibernadas para maximizar as operações das demais.
E, dessa forma, em uma safra até o momento beneficiada por condições climáticas normais, a empresa prevê moer até 63 milhões de toneladas de cana, ante 59,6 milhões no ciclo anterior --o total a ser processado pela Raízen gira em torno de 10% da safra do nacional.
"A previsão de moagem da Raízen continua no mesmo patamar, o que poderia interferir seria algum problema de coronavírus, mas estamos nos preparando...", disse ele, pontuando que até o momento a empresa não registrou casos da doença em sua unidade de açúcar e etanol.
Aproveitando bons momentos anteriores no mercado de açúcar e de câmbio para fixar vendas ante os contratos futuros do açúcar, a empresa está confortável para elevar o mix de cana para açúcar de 49% em 2019/20 para 55% em 2020/21, um movimento que deverá ser registrado no mercado em geral, mas que beneficia especialmente a Raízen, que tem tradição de ser mais açucareira.
Na safra passada, na média do centro-sul, mais de 60% da cana foi destinada ao etanol.
"Este ano todo mundo está indo pra produzir mais açúcar, já viramos nosso sistema todo para maximizar a produção de açúcar", afirmou ele, ressaltando que o consumo global do adoçante sofrerá bem menos que o de etanol.
O executivo explicou que o fato de a moeda brasileira ter se desvalorizado frente ao dólar cerca de quatro vezes mais do que a de outros países concorrentes na produção, como Índia e Tailândia, também deve favorecer o açúcar do Brasil em safras futuras. Nos quatro primeiros meses do ano, o dólar disparou 35,51% ante o real.
"O preço em dólar inviabiliza a produção em outros países do mundo, Índia, Tailândia e Austrália, e viabiliza a produção no Brasil... os preços do açúcar daqui a dois anos estão muito bons para o Brasil, e muito ruins para Índia e Tailândia. Se os preços ficarem onde estão, vão reduzir a produção nos países concorrentes e aumentar no Brasil", acrescentou ele, lembrando que, em termos de custos, o brasileiro já é mais competitivo.
"O cenário de longo prazo não é ruim, vai tornar a vida dos competidores muito ruim... O problema no Brasil é o curtíssimo prazo, é o etanol."
No mercado interno, a Raízen, que também é uma das maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil, ainda está vendo uma lenta recuperação do consumo, devido às medidas de isolamento para combater o coronavírus.
Ele disse que a queda na demanda de gasolina e etanol ainda está em torno de 45% a 50%. "A queda já foi maior do que isso, chegou até 70%... está se recuperando, mas é lento", completou, lembrando que, no diesel, a redução no consumo foi menor em função da demanda dos caminhões e do agronegócio.
Ele disse ainda que a empresa tem cortado custos, mas não investimentos, e prova disso é a inauguração de um grande terminal de combustíveis em São Luís (MA), na sexta-feira.
"Acreditamos que o futuro do negócio continua muito bom", destacou, apostando que, após a crise, o mundo deverá se voltar ainda mais para energias renováveis.
(Por Roberto Samora)