Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - Eleito com a plataforma de encolher o tamanho do Estado na economia, o governo do presidente Jair Bolsonaro acabou voltando-se à Caixa Econômica Federal e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para colocar de pé políticas de proteção a famílias e empresas em meio à pandemia do coronavírus, consolidando os bancos públicos como seus principais instrumentos de atuação até aqui.
Com a paralisação das atividades para impedir a disseminação descontrolada do Covid-19 jogando uma sombra sem precedentes sobre a atividade econômica, a rota traçada anteriormente para as duas instituições mudou de rumo.
O BNDES, que imediatamente antes da crise vendeu mais de 20 bilhões de reais em ações da Petrobras (SA:PETR4), se preparava para seguir adiante com o enxugamento do seu portfólio de ações, avaliado em cerca de 120 bilhões de reais no pico de preços.
O presidente do banco, Gustavo Montezano, já admitiu que, diante do novo cenário, isso ficará em compasso de espera. Agora, o banco está coordenando um sindicato junto a bancos privados para socorrer grandes empresas.
No caso da Caixa, a expectativa, antes da pandemia, era de que o banco abrisse neste ano o capital em bolsa do seu braço de seguros e previdência, a Caixa Seguridade, primeiro passo de um plano mais amplo, que envolvia também o IPO de sua unidade de cartões, de gestão de recursos e de loterias.
Com o surto de coronavírus injetando volatilidade e derretendo os mercados, a investida também foi congelada. Agora, o banco é responsável pela operacionalização do pagamento do auxílio a informais, orçado em 98,2 bilhões de reais, principal programa do governo até aqui para proteger os mais vulneráveis.
Para o economista da FGV Nelson Marconi, que foi um dos coordenadores do programa de governo de Ciro Gomes (PDT) à Presidência, o governo foi obrigado a reconhecer que precisa usar os bancos públicos num momento como este, após relutar em adotar ações mais fortes no início da crise, quando ainda defendia que o problema do coronavírus seria superado com a aprovação das reformas econômicas.
"Os bancos públicos sempre vão ser aqueles que vão conceder empréstimo numa situação em que o setor privado vê demanda muito desaquecida, risco de crédito elevado", afirmou.
Destacando a flexibilidade de agir por meio das instituições públicas, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, indicou que com o Banco do Brasil (SA:BBAS3), que tem ações em Bolsa, não era possível fazer o mesmo.
"BNDES e Caixa são 100% nossos e temos total controle sobre as operações. Banco do Brasil é uma empresa listada, mais difícil pedir dinheiro", disse Guedes em conversa com executivos da XP, transmitida pela internet no fim de março.
PLANOS ADIADOS
Para viabilizar o pagamento dos benefícios emergenciais, a Caixa criará 30 milhões de contas digitais grátis para brasileiros que não estavam formalmente no sistema financeiro. Maior financiador imobiliário do país, com cerca de 70% desse mercado, o banco também anunciou que permitirá que pessoas físicas e construtoras façam uma pausa ou paguem parcialmente as prestações por um período de 90 dias.
Em outra frente, a Caixa anunciou linhas de crédito específicas para as Santas Casas, para a compra de carteiras de crédito e para o setor imobiliário, de construção e agrícola. Em gestação no governo e no Congresso, está outro programa para o banco conceder financiamentos a microempresários.
À Reuters, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, avaliou que o pagamento de benefícios sociais sempre foi o coração do banco.
Ele também defendeu que a instituição está com posição única de capital pelo fato de ter cessado "patrocínios malucos" de 1 bilhão de reais, e ter vendido ativos no ano passado que não faziam sentido, como 8,5 bilhões de reais em ações da Petrobras e 28 bilhões de reais em títulos longos do Tesouro.
"A mudança muito grande entre o que está acontecendo agora e 10, 12 anos atrás é que a gente só está fazendo medidas onde a Caixa ganha dinheiro, medidas matemáticas, aprovadas em colegiado", disse ele, destacando que o banco só irá atuar na crise em segmentos que já eram seu foco antes, sem mirar grandes empresas.
"Os planos (de antes) estão adiados, não estão alterados. Nesse momento, com a bolsa a 78 mil pontos, que é diferente da bolsa a quase 120 mil, não tem como você pensar em abrir o capital porque você não sabe o que vai acontecer daqui dois, três, quatro, cinco meses", completou.
No caso do BNDES, buscando se afastar do modelo adotado no passado de financiamentos a juros subsidiados para companhias vistas como campeãs nacionais, o banco quer que, para os negócios com faturamento acima de 300 milhões de reais, soluções de mercado sejam buscadas, com as empresas disponibilizando garantias próprias para as operações.
A ideia é que o BNDES compre ativos emitidos pelas companhias no mercado, como debêntures ou bônus, sob as mesmas condições de quaisquer outros investidores.
Mas uma fonte do banco de fomento reconheceu à Reuters que o BNDES poderá oferecer garantias por meio do seu FGI (Fundo Garantidor para Investimentos) para empresas com faturamento de 10 milhões a 300 milhões de reais ao ano, incentivando assim os bancos privados a abrirem suas torneiras a essas empresas.
O BNDES também é o responsável por direcionar recursos do Tesouro a bancos para outro importante programa do governo na crise, de financiamento de 40 bilhões de reais para folha de pagamento das empresas com faturamento de 360 mil reais a 10 milhões de reais.
DEVOLUÇÃO DE RECURSOS
Antes da pandemia, o governo contava com recursos dos dois bancos para melhorar suas contas. Guedes chegou a pontuar que, a exemplo do que aconteceu em 2019, o governo iria novamente encerrar o ano com queda da dívida bruta, ajudado pela antecipação de empréstimos do BNDES ao Tesouro.
Diante do cenário com o coronavírus, essas discussões ficaram em segundo plano e não há decisão a respeito.
Já a Caixa planejava pagar recursos recebidos em governos anteriores por meio dos chamados instrumentos híbridos de capital e dívida (IHCD). De acordo com Guimarães, o banco ainda tem como pagar neste momento, mas considera prudente esperar o que vai acontecer no mundo e com a economia brasileira.
"Não é discussão deste mês", afirmou.
Uma fonte próxima ao ministro Guedes avaliou que, passada a crise, os planos para os bancos públicos voltarão à estaca anterior.
"A bússola da equipe econômica sempre foi a mesma", disse.
Para o professor de economia da UnB Roberto Ellery, é importante que os programas dos bancos inteiramente estatais sejam acompanhados com rigor, principalmente após políticas de subsídios implementadas pelo BNDES no passado terem se mostrado fundamentais para o desarranjo fiscal brasileiro.
"Se for usado com sabedoria é uma boa hora para ter banco desse. Tem que saber se vai ser usado e se depois vão conseguir desarmar o que armaram pra crise", disse. "O fundamental é limitar o tempo dessa atuação."