Investing.com – Um mercado de trabalho ainda resiliente, inflação perdendo fôlego, sem que a atividade econômica recue. O cenário de pouso suave da economia americana (soft landing, na versão em inglês), com gasto do consumidor como um dos motores, vem sendo o mais esperado por analistas após fortes receios de recessão no ano passado, ainda que sigam riscos diante de juros elevados e choques externos.
A tarefa de combater a inflação com aperto na política monetária sem desencadear uma recessão – o chamado pouso suave – pode ser considerada difícil e muitas vezes esse objetivo não é conquistado. Quando a inflação precisa de um freio, os Bancos Centrais restringem o crédito, tornando-o mais caro, por meio de aumentos nas taxas de juros. A tudo mais constante, como jargão econômico, a demanda agregada tende a diminuir, reduzindo a pressão nos preços, mas também podendo levar a maior desemprego e diminuição na atividade econômica, ou, nos piores casos, uma recessão. Por isso, autoridades monetárias buscam alternativas em suas políticas para não levar a uma rigidez excessiva e trocar um problema por outro.
EUA estariam em soft landing?
Menos inflação sem recessão – pelo menos até agora. A inflação americana ainda não chegou à meta de 2% do Fed, mas está longe do pico de quase dois dígitos de julho 2022. Em dezembro de 2023, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) anual chegou a 3,4%.
Fonte: Investing.com
Enquanto isso, a medida preferida do BC dos EUA, o Índice de Preços para Despesas com Consumo Pessoal (PCE), teve expansão anual de 2,6% em novembro.
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Além disso, o mercado de trabalho segue aquecido, com forte criação de vagas de trabalho. Somente em dezembro, foram 216 mil vagas não-agrícolas criadas, segundo o relatório de empregos payroll.
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O Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2023 registrou expansão de 4,9% considerando a taxa anual ajustada, segundo o Bureau of Economic Analysis. Os dados do quarto trimestre serão divulgados na próxima semana.
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Dirigentes do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos), do Tesouro, além de grandes bancos e instituições financeiras parecem enxergar esse cenário como mais provável. O presidente do Federal Reserve de Richmond, Thomas Barkin, afirmou que haveria progressos reais no processo de desinflação sem grandes danos ao mercado de trabalho, sendo um pouso suave "cada vez mais concebível". Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, disse que o processo “está em andamento” e a expectativa é de que um período com características semelhantes continue daqui para frente.
Assim como outros ‘bancões’, o UBS acredita que a economia americana estaria nesse processo. “Nosso cenário base é de um pouso suave, no qual o crescimento desacelera para um pouco abaixo da tendência, uma recessão nos EUA é evitada, a inflação cai em direção às metas do banco central até o segundo semestre do ano, e o Fed reduz as taxas de juros em 100 pontos-base”, segundo relatório enviado aos clientes e ao mercado.
O Bank of America (NYSE:BAC) possui a mesma visão. “Os aumentos das taxas observados ao longo do último ano e meio deverão, em última análise, enfraquecer o crescimento e conduzir a taxas de desemprego mais elevadas, embora os nossos economistas defendam uma aterragem suave em vez de uma recessão”, aponta o BofA também em relatório.
Riscos de recessão diminuem?
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, que falou com exclusividade ao Investing.com Brasil, avalia que o pouso suave da economia americana já aconteceu. O mercado tinha uma grande aposta de que haveria uma recessão na economia americana, mas os receios ficaram no passado, em sua visão.
“Já não aconteceu. Então, 2023 já foi o ano de soft landing e podemos discutir se 2024 vai continuar sendo, mas aparentemente, sim. A gente sai de um crescimento muito acima da média de PIB”, destaca Alves, que menciona como um dos fatores, os dispêndios fiscais em patamares elevados que, em sua visão criam um certo amortecedor e ajudam a garantir uma poupança para o consumidor americano. O mercado de trabalho ainda pujante também fomenta o poder de compra, sendo que 70% do PIB americano seria derivado de consumo. Para 2024, a tendência é de que o cenário otimista continue, espera a Avenue.
O analista do Investing.com Thomas Monteiro acredita que a mudança brusca nas projeções futuras sobre o ciclo de juros do Federal Reserve impactou de forma expressiva a visão de mercado sobre um soft landing americano e, ainda, sobre riscos recessionários globais.
“A gente tinha uma projeção de recessão muito maior antes desse pivô, e agora esperamos que as coisas mudem um pouco essa perspectiva. De fato, temos visto setores importantes da economia americana já se adiantando a isso, como por exemplo o setor imobiliário. O real state veio de um 2022 e um 2023 também, quase inteiro, muito ruim, e já começou a se recuperar na expectativa de que os juros melhorem”, menciona, apontando também a resiliência do consumo, assim como Alves.
O mercado de trabalho, que começou a mostrar os primeiros sinais de queda, tende a se manter também muito forte, no seu entendimento, ponderando que sempre há riscos envolvidos.
Uma volta da pressão inflacionária, por exemplo, poderia obrigar o Fed a rever sua trajetória esperada de cortes nos juros em 2024. Um menor fôlego da economia chinesa e as eleições americanas - na expectativa de um futuro embate entre o ex-presidente Donald Trump e o atual, Joe Biden – também entram no radar e podem trazer volatilidade para os mercados.
“O nosso conselho para os investidores é prudência. Ainda assim, não é um momento para entrar de cabeça”, alerta Monteiro.