Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - A eventual adoção de um modelo alternativo para os planos do governo brasileiro de desestatizar a gigante elétrica Eletrobras (SA:ELET3) poderia prejudicar o processo, ao atrair resistência política muito maior para a proposta, disse à Reuters uma fonte familiarizada com a estratégia da estatal.
O Ministério de Minas e Energia tem afirmado que pretende levar adiante uma capitalização da companhia por meio da emissão de novas ações, o que reduziria a fatia do governo na empresa a uma fatia minoritária.
Mas o Ministério da Economia do presidente Jair Bolsonaro, comandado por Paulo Guedes, um liberal entusiasta de privatizações, tem avaliado modelos alternativos, que eventualmente poderiam passar pela capitalização ou venda em separado de subsidiárias da estatal.
Em meio a essas interações, a cúpula da Eletrobras tem defendido o prosseguimento do projeto de capitalização, nascido ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer, com uma visão de que privatizar subsidiárias emblemáticas como Furnas e Chesf poderia ser uma tarefa "praticamente impossível" do ponto de vista político.
"Por subsidiárias é mais difícil, com certeza", afirmou a fonte, que acompanha as conversas sobre a privatização e falou sob a condição de anonimato devido à sensibilidade do tema.
A Chesf, que atua principalmente no Nordeste, foi criada por decreto em 1945, no governo Getúlio Vargas, quase dez anos antes do surgimento da proposta que levaria ao nascimento da própria Eletrobras, criada formalmente apenas em 1961.
Furnas nasceu em 1957 e tem ativos concentrados no Sudeste e centro-sul.
REPETIR HISTÓRIA?
Furnas é justamente a empresa onde travaram os planos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) para a privatização em partes da Eletrobras nos anos 90, lembrou a fonte.
Na época, FHC conduzia um grande programa de desestatização no setor elétrico, mas a resistência política e corporativa travou o avanço do movimento dentro da Eletrobras --foram desestatizados apenas ativos de geração da Eletrosul, a chamada "Gerasul", no final de 1998.
Já a oposição a uma privatização da Chesf poderia facilmente mobilizar a bancada do Nordeste no Congresso, apontou a fonte, lembrando que os nove Estados da região somam 27 votos no Senado, ou um terço do total.
As dúvidas sobre a viabilidade política da venda em separado de subsidiárias da Eletrobras ganham ainda mais importância porque Furnas e Chesf são as empresas mais lucrativas da estatal e as que administram seus mais valiosos ativos, com um enorme parque de hidrelétricas.
A Chesf é a maior geradora do Brasil, com mais de 10 gigawatts em capacidade instalada própria, além de fatias em empreendimentos com sócios, enquanto Furnas é a segunda na lista, com 9,44 gigawatts próprios, sem contar participações. Ambas ainda operam enormes sistemas de transmissão.
Dentre as outras principais controladas da Eletrobras, a Eletronorte tem 9 gigawatts em capacidade própria de geração, dos quais 8,37 gigawatts são de um único ativo, a hidrelétrica de Tucuruí, enquanto a Eletrosul tem 1,73 gigawatt em usinas.
Já as subsidiárias da estatal que administram usinas nucleares --Eletronuclear-- e a usina binacional de Itaipu não devem ser envolvidas nos planos de privatização.
O Ministério de Minas e Energia tem afirmado que um projeto final para a desestatização da Eletrobras deverá ser apresentado até junho, envolvendo a modelagem.
A pasta também tem insistido que o processo não será uma "privatização", embora admita que o governo deve perder o controle da elétrica estatal após a capitalização atualmente planejada, que poderia arrecadar cerca de 12 bilhões de reais para o Tesouro.
Em paralelo, a informação de que o Ministério da Economia estaria aberto a outras possibilidades para a Eletrobras gerou comentários positivos de alguns especialistas preocupados com os efeitos da privatização da companhia como um todo sobre a concorrência no mercado de energia, conforme publicado pela Reuters no início do mês.
A Eletrobras controla cerca de um terço da geração e metade da transmissão de energia no Brasil, com uma capacidade instalada de 49,8 gigawatts, sem considerar suas fatias em Itaipu e nas usinas nucleares de Angra.
A francesa Engie Brasil Energia (SA:EGIE3), líder privada em geração no país --que venceu a disputa pela privatização da Gerasul em 1998-- fechou o ano passado com usinas que somam 8,1 gigawatt.