Por Lisandra Paraguassu e Marta Nogueira
BRASÍLIA/RIO DE JANEIRO (Reuters) - A Petrobras (SA:PETR4) voltou atrás em um reajuste do diesel nas refinarias após pressão do presidente Jair Bolsonaro, que defendeu nesta sexta-feira "um preço justo" para o combustível e disse que quer ser convencido pela estatal sobre a necessidade do aumento.
O movimento da Petrobras, na noite de quinta-feira, levanta preocupações no mercado sobre possíveis intervenções do governo em suas políticas de preços, que poderiam prejudicar a recuperação financeira da petroleira, ao mesmo tempo em que mostra preocupação do governo federal com eventual nova greve dos caminhoneiros.
A Petrobras anunciou na quinta-feira, por volta do meio-dia, alta de 5,7 por cento no valor do diesel para esta sexta-feira, mas à noite anulou a decisão e manteve a cotação em 2,1432 reais por litro, praticada desde 22 de março.
Uma fonte palaciana disse que Bolsonaro ligou para o presidente-exeucutivo da Petrobras, Roberto Castello Branco, para pedir reajuste menor, enquanto a Petrobras justificou a decisão dizendo que revisitou sua posição de hedge e avaliou, com o fechamento do mercado, que havia "margem para espaçar mais alguns dias" o reajuste.
Nesta sexta-feira, Bolsonaro disse a jornalistas que convocou a diretoria da Petrobras a prestar esclarecimentos sobre o preço do diesel em reunião agendada para terça-feira.
"Convoquei todos da Petrobras para me esclarecerem por que 5,7 por cento de reajuste quando a inflação projetada para este ano está abaixo de 5 (por cento). Só isso, mais nada. Se me convencerem, tudo bem. Se não me convencerem, nós vamos dar a resposta adequada para vocês", afirmou o presidente, em entrevista em Macapá, após participar da inauguração de um aeroporto na cidade.
A política de preços da Petrobras não tem relação com a inflação --a estatal tem perseguido paridade com as cotações internacionais, o que na prática significa acompanhar fatores como o preço do barril do petróleo Brent e o câmbio.
O peso do diesel no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado pelo governo para balizar a meta de inflação, é pouco expressivo, embora possa impactar indiretamente preços de alimentos, de frete e de transporte público.
Mas o custo do combustível tem gerado forte insatisfação entre caminhoneiros, lembrando episódio de maio do ano passado, quando uma greve da categoria gerou caos no país e culminou na saída do então CEO da Petrobras, Pedro Parente, em meio a críticas à política de preços da companhia.
"Estou preocupado também com o transporte de carga no Brasil, com os caminhoneiros", disse Bolsonaro nesta sexta. "Nós queremos um preço justo para o óleo diesel", acrescentou.
O presidente afirmou ainda que "o Brasil não pode continuar com essa política de preços", embora depois tenha minimizado a possibilidade de intervenção sobre as decisões da Petrobras.
"Não pelo canetaço e não pela imposição do chefe do Executivo, em hipótese alguma isso vai existir", disse.
Em meio a falas de Bolsonaro, as ações da Petrobras aceleraram perdas e caíam mais de 8 por cento nesta tarde.
DÉJÀ VU
Analistas do BTG Pactual (SA:BPAC11) citaram sensação de "déjà vu" em relatório nesta sexta-feira, ao recordar prejuízos bilionários causados à estatal em anos anteriores, quando o governo impedia reajustes demandados pela diretoria para evitar inflação.
O vice-presidente Hamilton Mourão, no entanto, defendeu que o movimento de interferência foi isolado e não será recorrente no governo atual.
"Tenho a absoluta certeza que ele não vai praticar a mesma política da ex-presidente Dilma Rousseff", disse.
Em meio às notícias, o Conselho de Administração da Petrobras foi chamado para uma reunião por telefone no início da tarde, segundo duas fontes com conhecimento do assunto.
Ao comentar o tema ainda na quinta-feira, a Petrobras reafirmou em nota seu compromisso com o Preço de Paridade Internacional.
A busca pela paridade sempre foi citada pelas gestões da companhia, mesmo na época do governo do PT, quando os preços passavam por longos períodos de congelamento.
A greve dos caminhoneiros no ano passado deu origem também a um programa federal de subsídios aos diesel, mas a medida durou apenas até o final de 2018. Depois disso, a Petrobras decidiu reajustar o combustível em intervalos de até sete dias, com alinhamento de preços aos valores internacionais.
No mês passado, porém, a companhia reviu essa política, decidindo por reajustes em intervalos não inferiores a 15 dias, o que foi associado a temores de uma nova greve.
CRÍTICAS
O movimento da Petrobras foi recebido com críticas por especialistas, lideranças do setor de combustíveis e de caminhoneiros.
"É impressionante, o governo se diz tão forte, tão liberal, e fica refém dos caminhoneiros. Foi mais um retrocesso e muito ruim para o país, porque deixa de atrair investimento, muito ruim para a Petrobras, porque perde dinheiro, e muito ruim para o governo, porque perde credibilidade", disse o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires.
Na mesma linha, o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sergio Araujo, disse que "a intervenção do governo na Petrobras está declarada".
"Existem soluções para atender aos pleitos dos caminhoneiros sem prejudicar os acionistas da Petrobras e preservando os projetos do Roberto Castello Branco para o desinvestimento nas refinarias... O governo está dando uma péssima sinalização para os investidores nacionais e internacionais", acrescentou.
O presidente da Plural, associação que representa as distribuidoras de combustíveis, Leonardo Gadotti, defendeu que o mercado estava funcionando bem neste ano, uma vez que o diesel subiu apenas 2,8 por cento nos postos, contra alta de 18,50 por cento nas refinarias da Petrobras.
Os repasses às bombas dependem de fatores como margens dos distribuidores e revendedores, impostos e adição de biodiesel.
"Todo tipo de intervenção, às vezes com as melhores das intenções, prejudica. Tira o funcionamento normal de um mercado como esse que funciona bem no mundo todo", disse Gadotti.
A posição é semelhante a do presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul (FecamRS), Andre Costa. Segundo ele, é preciso haver regras previsíveis e perenes que garantam o desenvolvimento do mercado de transporte sem incertezas.
"É preciso dar um tempo para se avaliar o resultado dessa decisão (da Petrobras). Até quando vamos com essa insegurança? Sempre precisa ter algum poder maior para intervir e isso não pode acontecer porque você fica dependente de uma pessoa", afirmou Costa.
"Óbvio que a interveniência (de Bolsonaro) é bem-vinda, mas o que estamos buscando são regras previsíveis e duradouras. Só assim vai ter acomodação da economia e todos os entes envolvidos --indústria, agropecuária, embarcadores e caminhoneiros-- vão poder desenvolver seu modelo de gestão", disse ele.
Costa acrescentou que "na realidade a Petrobras não desistiu (de reajustar o diesel), ela protelou, por interveniência do presidente. A Petrobras só adiou esse aumento. Ele, com certeza, vai vir em algum momento futuro."
O movimento da Petrobras de cancelar alta programada para o diesel ainda pode colocar em risco os planos do atual presidente da empresa de vender uma parcela significativa das refinarias, uma vez que assustaria investidores, na avaliação de analistas e agentes do mercado.
DILMA
Uma outra fonte, ligada à Petrobras, avaliou que o movimento coloca a empresa em uma zona de risco que remete aos tempos de interferência de governos anteriores, quando os preços de diesel e gasolina eram "congelados" para ajudar a segurar a inflação.
"O Bolsonaro está fazendo exatamente o populismo perigoso que a (ex-presidente) Dilma (Rousseff) fez, e isso é uma afronta às regras de governança e compliance da empresa", afirmou. "Se quer questionar a política, que se manifeste através do conselho de administração, mas quem decide preço é a diretoria executiva, e não o presidente da República."
Uma fonte da equipe econômica avaliou o cenário como "preocupante" porque "infelizmente lembra muito" tempos de controle dos preços do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
(Com reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier no Rio de Janeiro, José Roberto Gomes e Camila Moreira em São Paulo e Marcela Ayres e Ricardo Brito em Brasília)