SÃO PAULO (Reuters) - A ação de "Sentimentos que Curam" passa-se nos anos de 1970 e, dessa forma, ecoa os movimentos sociais e as mudanças radicais da década anterior. O pai com transtorno bipolar – interpretado por um Mark Ruffalo que empolga e "irrita" na medida certa – talvez seja, na verdade, a representação de uma dificuldade masculina em se reajustar a esse novo mundo.
Por um lado, ele é um excêntrico que precisa cuidar das filhas pequenas; por outro, ele é um homem lutando contra problemas emocionais sérios.
Escrito e dirigido pela cineasta estreante Maya Forbes, o longa parece um toque autobiográfico, retratando o reajustamento social e emocional que se fez necessário naquela década. Cam (Ruffalo) e Maggie (Zoe Saldana) conheceram-se em Harvard, no fim dos anos de 1960.
Logo se apaixonaram, casaram, ele trabalhou um pouco com televisão, mas sua condição cada vez mais severa foi uma limitação em sua carreira, conforme explica a filha mais velha, Amelia (Imogene Wolodarsky), no começo da história.
A entrada do personagem no filme não poderia ser mais triunfal: vestindo apenas uma cueca vermelha, ele se joga na frente do carro para impedir que a mulher e as crianças o deixem.
Este aparenta ser apenas mais um ataque entre tantos outros, e o olhar assustado de Maggie dá a entender que não é o primeiro, e, talvez, nem o mais grave. E quando finalmente Cam está se tratando numa clínica, ela se desdobra para manter a casa, sem muita ajuda da família rica dele.
Quando ela é aprovada para cursar um mestrado em Nova York, surge o dilema de o que fazer com as crianças. A saída é deixá-las sob os cuidados de Cam, com a aprovação do médico dele e o receio das meninas.
Se num primeiro momento, tudo se dá aos trancos e barrancos, aos poucos, Cam se ajusta e se revela um pai cuidadoso, que tenta contornar suas questões emocionais. Suas flutuações de humor são um problema com as quais todos precisam lidar.
A ausência de Maggie era um complicador, mas, afinal, torna-se um catalisador para a aproximação entre os pais e as filhas.
A seu modo, essa família está mais em sintonia com seu tempo do que os que os cercam. No prédio onde moram, as vizinhas estranham um pai que fica em casa cuidando das filhas, enquanto sua esposa sai para estudar e trabalhar.
A ambição de Maggie – que além dos estudos inclui um trabalho melhor – não é retratada de forma negativa, o que também não quer dizer que tudo seja fácil. Ela é uma mulher negra, em plenos anos 70, tentando conseguir um bom emprego, e, embora tenha capacidade para diversas vagas, enfrenta empecilhos e preconceitos.
A questão racial também surge de outra forma. A caçula, Faith (Ashley Aufderheide), é negra, enquanto sua irmã, branca – e é exatamente essa quem tem problemas em se afirmar como filha de um casal racialmente misto.
Maya Forbes retrata uma família longe de um padrão tipicamente americano que vigorou nas décadas anteriores. Aqui, vemos pessoas num momento de transição tentando compreender não apenas seu tempo, mas a si mesmas.
Se as mudanças dos anos de 1960 sacudiram os paradigmas da sociedade patriarcal, a família de Cam e Maggie é exatamente a materialização de tudo aquilo que estava em transformação.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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