Com Maria Clara Araújo*
A recém-regulamentada Reforma Tributária, por meio da Lei Complementar 214/2025, redefine o sistema de impostos sobre consumo no Brasil, com a introdução do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Essa mudança, junto à tributação no destino e ao Imposto Seletivo (IS) para produtos prejudiciais, visa simplificar o sistema e aumentar a transparência. No entanto, o consumidor final sentirá impactos diretos, desde a clareza na discriminação dos impostos nos preços até possíveis alterações nos custos de bens e serviços.
A Reforma Tributária provocará uma transformação estrutural no mercado, com repercussões significativas para empresas e consumidores, desde a produção até a precificação. Diante desse cenário, as empresas deverão adotar estratégias de adaptação, que podem incluir a otimização de operações para manter a competitividade, bem como o repasse de custos aos clientes.
Uma das mudanças mais impactantes será a necessidade de realocação regional de centros de distribuição. Com a uniformização das alíquotas do IBS e da CBS em todo o território nacional, a manutenção de centros de distribuição em estados com incentivos fiscais perderá relevância. Dessa forma, grandes empresas com atuação nacional deverão priorizar custos logísticos e de mercado consumidor em detrimento de benefícios fiscais regionais. Esse processo de realocação, embora complexo e custoso, poderá resultar em repasse de custos ao consumidor final.
Outro ponto crucial será a alteração na localização da origem do faturamento e emissão de notas fiscais. Com a tributação no destino, as empresas precisarão investir em tecnologias e treinamentos para adequar seus sistemas de faturamento, garantindo o recolhimento correto dos impostos. Esses novos custos poderão impactar os preços finais dos produtos.
A redução de benefícios fiscais por estado também exigirá adaptação das empresas. Aquelas que anteriormente se beneficiavam de regimes especiais poderão enfrentar maiores cargas tributárias, o que poderá levar ao ajuste de preços e, consequentemente, afetar o consumidor final.
A reestruturação da cadeia de fornecimento surge como estratégia crucial para a redução de custos fiscais no novo cenário tributário. Antes da reforma, a terceirização da produção ou a aquisição de insumos de estados com incentivos fiscais no ICMS eram práticas comuns entre grandes empresas. No entanto, com a tributação no destino, a nacionalização ou regionalização da produção se torna uma alternativa para manter a competitividade. Essa mudança pode resultar em aumento de preços caso os novos fornecedores sejam mais caros, impactando o consumidor final. Por outro lado, a regionalização pode gerar economia em custos logísticos, mantendo os preços estáveis. A eficácia dessa estratégia dependerá da análise e implementação de cada empresa.
Os modelos de precificação também precisarão ser revistos, já que a unificação das alíquotas e a eliminação de incentivos fiscais poderão aumentar a carga tributária de diversos produtos. Nesse contexto, produtos específicos, como eletrônicos, poderão sofrer reajustes de preços, e promoções agressivas poderão se tornar menos frequentes.
A implementação da tributação no destino impulsionará empresas com experiência em marketplaces, como Amazon (NASDAQ:AMZN) e Mercado Livre (NASDAQ:MELI), a priorizarem ainda mais esse modelo de vendas. A atuação via intermediários simplificará os processos de tributação estadual, reduzindo impactos administrativos e financeiros da nova cobrança de impostos, além de diminuir os custos de compliance tributário, visto que essas plataformas já possuem estrutura para lidar com as novas regras fiscais. No entanto, essa estratégia criará uma maior dependência de plataformas externas e poderá resultar em redução de benefícios de fretes gratuitos nacionais e aumento do preço final dos produtos devido ao aumento da taxa de comissão cobrada pelos marketplaces.
A introdução do Imposto Seletivo (IS), incidindo sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas, cigarros e combustíveis, deverá levar empresas a reformularem seus portfólios. A expectativa é que, para evitar ou minimizar o impacto da tributação mais severa, ocorram mudanças na composição e embalagem dos produtos, ou até mesmo a retirada de itens do mercado. Essa reformulação, junto ao potencial aumento de preços e reformulação de qualidade ou tamanho de embalagem, pode resultar em uma menor variedade de produtos disponíveis para o consumidor no médio prazo.
Diante da nova tributação, empresas buscarão atrair clientes sem recorrer à redução de preços, priorizando estratégias como pagamentos digitais, programas de cashback e a venda de combos promocionais, que diluem o impacto do imposto no preço unitário. Essas iniciativas, além de fidelizar clientes, permitem que empresas reduzam custos operacionais e que consumidores economizem através de benefícios como cashback.
Para ambos, a adaptação é fundamental: empresas devem reestruturar processos, investir em tecnologia e revisar a cadeia de fornecimento, enquanto consumidores devem adotar hábitos de compra estratégicos, aproveitando programas de cashback, carteiras digitais e benefícios atrelados a pagamentos eletrônicos, além de diversificar fornecedores e marcas, especialmente em produtos impactados pelo Imposto Seletivo.
Em resumo, a Reforma Tributária exige uma postura proativa tanto de empresas quanto de consumidores. Para as empresas, a adaptação transcende a mera conformidade legal; ela exige uma reestruturação profunda dos processos operacionais e tributários. Investimentos em tecnologia para aprimorar os sistemas de faturamento e garantir a conformidade fiscal tornam-se indispensáveis. Além disso, a revisão estratégica da cadeia de fornecimento, seja através da nacionalização da produção ou da otimização logística, é crucial para reduzir custos sem comprometer a qualidade ou a competitividade. A exploração de modelos de venda que simplificam a tributação, como marketplaces e canais digitais, também se apresenta como uma estratégia inteligente para minimizar os impactos da nova tributação nas margens de lucro e nos preços finais.
Para os consumidores, a chave reside na adoção de hábitos de compra mais estratégicos. A utilização de programas de cashback, carteiras digitais e benefícios atrelados a pagamentos eletrônicos surge como uma forma eficaz de mitigar os efeitos de possíveis aumentos de preços. Além disso, a diversificação na busca por fornecedores e marcas, especialmente para produtos impactados pelo Imposto Seletivo, pode garantir melhores preços e condições. A conscientização sobre as mudanças no mix de produtos e a adaptação a novas formas de consumo, como pacotes promocionais e combos, também são essenciais para manter o poder de compra sem sacrificar a qualidade ou a variedade. Em um cenário de transição tributária, aqueles que se anteciparem às mudanças e explorarem as oportunidades emergentes desfrutarão de vantagens competitivas e financeiras significativas.
*Maria Clara Araújo de Oliveira, Consultant na Peers Group é formada em Relações Econômicas Internacionais pela UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais. Possui mais de 6 anos de experiência em Business Consulting com atuação prévia na McKinsey & Company. Passou por diversas indústrias, atuando principalmente em projetos de Business Strategy, Trasformation, Pricing, DD, GTM e Supply Chain.