Por Leonardo Benassatto e Lisandra Paraguassu e Eduardo Simões
SÃO PAULO/BRASÍLIA (Reuters) - Os protestos iniciados por caminhoneiros na quarta-feira aconteciam em 13 Estados do país na tarde desta quinta e, segundo informações do Ministério da Infraestrutura, não havia registros de nenhuma interdição de pista, após reunião do presidente Jair Bolsonaro com representantes da categoria.
Na noite de quarta, Bolsonaro gravou um áudio que foi encaminhado aos caminhoneiros pedindo que eles desmobilizassem os protestos, ocorridos após os atos antidemocráticos convocados pelo presidente no feriado do Dia da Independência, no qual Bolsonaro subiu o tom dos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaçou a corte com uma ruptura.
De acordo com boletim divulgado pelo Ministério da Infraestrutura às 14h30, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Bahia, Mato Grosso, Pará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Goiás, Maranhão, Rio de Janeiro e Tocantins ainda tinham manifestações de caminhoneiros. Segundo a pasta, os Estados da Região Sul respondiam por mais da metade dos protestos.
"Não há mais registros de interdições na malha rodoviária nacional", informou o ministério no boletim. Pela manhã, por volta de 8h, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) havia conseguido liberar os bloqueios realizados pela madrugada. Já no início da tarde, entretanto, o boletim do Ministério apontava interdições em Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, que agora foram desfeitos.
A mobilização dos caminhoneiros acontecia apesar de um áudio enviado às lideranças pelo presidente Jair Bolsonaro, pedindo o fim dos atos por receios de que agravem a inflação e a já débil situação econômica, fatores que têm impactado nos índices de aprovação do presidente, apontados em pesquisas de opinião.
Além do apelo por áudio, Bolsonaro, que tem nos motoristas de caminhão uma importante base de apoio, reuniu-se com um grupo de caminhoneiros em Brasília.
Após o encontro, um dos participantes disse que a pauta de reivindicações envolvia a liberdade de expressão e negou que ela incluísse o preço dos combustíveis ou o valor do frete, queixas constantes dos caminhoneiros desde a greve da categoria que paralisou o país em 2018.
O áudio de Bolsonaro foi recebido com ceticismo entre os caminhoneiros mobilizados e, nem mesmo o fato de o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, confirmar em vídeo a autenticidade, foi suficiente para desmobilizar de imediato a categoria.
"Fala para os caminhoneiros aí, são nossos aliados, mas esses bloqueios aí atrapalham a nossa economia, isso provoca desabastecimento, inflação. Prejudica todo mundo, especialmente os mais pobres. Então dá um toque aí nos caras, se for possível, para liberar, tá ok, para a gente seguir a normalidade", disse o presidente em um áudio enviado por mensagem a interlocutores dos caminhoneiros.
Nas redes sociais, entretanto, havia entre os apoiadores do presidente os que não acreditavam na veracidade do áudio mesmo com o vídeo de Tarcísio e os que acreditavam que a mensagem foi apenas protocolar, pois pelo cargo que ocupa, Bolsonaro não poderia apoiar os protestos abertamente, o que levou muitos apoiadores a defenderem a manutenção dos protestos.
"Primeiro que ele como presidente da nação não poderia tomar partido, até porque prejudicaria o nosso próprio movimento", disse a caminhoneira Claudia Isabel, que participava do bloqueio feito pela manhã na rodovia Régis Bittencourt, na altura de Embu das Artes (SP). A pista foi posteriormente liberada por volta das 7h30. "Não é porque ele (Bolsonaro) falou ou deixou de falar, a gente está lutando por um país melhor", acrescentou.
CUSTOS LOGÍSTICOS
No Rio de Janeiro, embora não existissem bloqueios de pista, a lembrança da greve dos caminhoneiros que paralisou o país em 2018 provocou filas em postos de combustíveis de motoristas temerosos com a possibilidade de um desabastecimento, como ocorreu há três anos. Naquele Estado, lideranças dos caminhoneiros prometiam novos atos ainda nesta quinta e na sexta.
Na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, cerca de 40 caminhões ocupam a pista desde o feriado do Dia da Independência, na terça-feira, quando em manifestações convocadas pelo presidente, Bolsonaro repetiu ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaçou a corte com uma ruptura institucional. A Polícia Militar negociava a retirada dos caminhões.
Por ora, setores produtivos, principalmente do agronegócio, altamente dependente do transporte rodoviário não registravam impactos relevantes das manifestações dos caminhoneiros, ao contrário do que ocorreu durante a longa greve da categoria em 2018, quando a paralisação provocou desabastecimento não só de combustíveis, mas também de outros produtos.
"Pelo que estou vendo, a polícia rodoviária está conseguindo desbloquear de maneira rápida... Por enquanto não tem maiores impactos, e se continuar desse jeito acredito que muito em breve vai estar liberado", disse o economista-chefe da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan, à Reuters.
Já o gerente Nacional de Originação de Grãos na Seara, Valdecir Martins, avaliou que os protestos aumentam custos logísticos, gerando ainda preocupação sanitária, uma vez que não pode faltar ração para as criações.
Além das pautas colocadas por Bolsonaro --impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e defesa do voto impresso-- os caminhoneiros colocaram também as suas nos atos desta quinta, centradas na queda do preço dos combustíveis e comprando a versão propalada por Bolsonaro de que alta nos preços é responsabilidade do ICMS cobrado pelos Estados.
No áudio enviado na noite de quarta, Bolsonaro disse ainda que cabe a ele negociar com autoridades para resolver o problema da categoria, mas não citou especificamente o preço dos combustíveis.
"Deixa com a gente aqui em Brasília agora. Não é fácil negociar, conversar por aqui com outras autoridades, mas a gente vai fazer a nossa parte, vamos buscar uma solução para isso, tá ok? E aproveita aí e da um abraço em meu nome em todos os caminheiros, tá ok?", disse o presidente.
Antes de se tornar mais um risco para o governo, o movimento dos caminhoneiros foi usado por bolsonaristas como o cantor Sérgio Reis como uma ameaça de parar o país para que reivindicações do grupo fossem atendidas. Em um vídeo, Reis foi filmado dizendo que os caminhoneiros iriam parar o país até que o Senado aceitasse o impeachment de Alexandre de Moraes.
(Reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro, e Roberto Samora e Nayara Figueiredo, em São Paulo)