Por Stephen Eisenhammer e Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Autoridades brasileiras se preparam para endurecer regras sobre barragens usadas para receber rejeitos da indústria de mineração, depois do rompimento de uma estrutura no ano passado que causou o pior desastre ambiental da história do país, mas as mudanças provavelmente farão pouco para a melhorar a segurança, enquanto prometem onerar as mineradoras.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad), principal Estado minerador do país e palco da tragédia, vai exigir um aumento no número de auditorias para determinados tipos de barragens utilizadas para deposição de resíduos de mineração.
O órgão, responsável pelos licenciamentos, também quer limitar o tamanho das barragens e a frequência com que seus muros podem ser elevados para aumentar a capacidade.
Mas engenheiros, promotores e especialistas em barragens de rejeitos ouvidos pela Reuters dizem que as mudanças propostas deverão fazer pouco para evitar outro desastre, caso as autoridades não obtenham mais recursos financeiros e de pessoal para realizar as suas obrigações.
Em 5 de novembro de 2015, a lama liberada em Mariana (MG) com o colapso da barragem de Fundão da mineradora Samarco, controlada pelas gigantes BHP Billiton e Vale, deixou 19 mortos, centenas de desabrigados e destruiu um distrito inteiro.
O volume de resíduos despejados, suficiente para encher 12 mil piscinas olímpicas, poluiu ainda o importante Rio Doce, que levou os rejeitos da atividade de mineração até o mar capixaba, causando mortandade de peixes e destruindo ecossistemas.
"Fundão é o de Chernobil da indústria de mineração. Há um antes e há um depois", disse o subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada da Semad, Geraldo Abreu, referindo-se ao acidente da usina nuclear, na então república soviética da Ucrânia.
Abreu e a comissão da qual ele faz parte, montada para rever normas para a indústria após a tragédia, estão se concentrando em barragens construídas da mesma forma que Fundão, que utilizam uma técnica de alteamento conhecida como "a montante".
O design a montante custa cerca de metade do preço de outras barragens, mas apresenta maior risco de segurança, porque suas paredes são construídas sobre uma base de resíduos, em vez de em material externo ou em terra firme. É também o mais comum, utilizado em minas em todo o mundo.
"Nós agora entendemos que este tipo de barragem precisa ser tratado com cuidado", disse Abreu, acrescentando que ele tinha inicialmente apoiado uma proibição total sobre o design.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) está acompanhando as mudanças em curso em Minas, segundo o secretário-adjunto de Gestão e Recursos Hídricos, Ronaldo Lima, e prevê adaptar as próprias regras.
O Estado do Norte, que tem crescido em importância na indústria de mineração, não tem ainda um grande número de barragens, mas pretende estar preparado para o desenvolvimento da indústria no Estado.
Ainda não há uma explicação oficial das mineradoras sobre os motivos para a barragem da Samarco ter rompido, mas Abreu explicou que provavelmente foi o resultado de uma perda de estabilidade na fundação de rejeitos, um processo conhecido como liquefação.
Isso geralmente é causado por terremotos, mas pode resultar de outros fatores, como um rápido aumento dos muros da barragem, que em projetos a montante são construídas por meio de degraus para dentro do reservatório e em cima de resíduos antigos.
Uma resolução detalhando um decreto de Minas Gerais já publicado na semana passada deve entrar em vigor neste mês ou no próximo. Nela, estará estabelecido que as mineradoras terão que pagar por uma auditoria anual extra para verificar especificamente a existência de liquefação em barragens a montante.
Os novos licenciamentos também vão controlar melhor todo o tempo de vida útil das barragens. Antes mesmo da construção, as empresas terão limites como para altear as barragens, para depositar rejeitos, além de ter especificações mais claras que indicarão quando a barragem deverá ser desativada.
Com isso, reguladores terão mais controle com o que acontece com as barragens, evitando surpresas desastrosas, como a evidenciada em Fundão, onde a Vale também depositava rejeitos de suas atividades na barragem da Samarco.
Barragens existentes terão que se adequar às regras. Caso tenham algum indicativo de insegurança, as empresas responsáveis serão forçadas a interromper as atividades.
Abreu explicou que outros integrantes da comissão, composta por representantes da indústria, universidades e órgãos técnicos, convenceram-no de que uma proibição total das barragens a montante seria uma reação excessiva.
ESPECIALISTAS QUEREM BANIR
A proibição é exatamente o que muitos especialistas, como geofísico David Chambers, dizem que o Brasil precisa.
Chambers, consultor que dirige o Center for Science in Public Participation, com sede em Montana (EUA), diz que as empresas devem ser forçadas a construir barragens de rejeitos usando outros modelos mais caros: a jusante e central. Estes não utilizam rejeitos para fundações.
"A imprevisibilidade que se trabalha no sistema a montante é muito alta", afirmou Chambers, referindo-se à maneira como a consistência de rejeitos pode variar dependendo de fatores como a chuva e a área a ser minerada.
Há precedente para uma proibição. Em 1965, um terremoto relativamente pequeno levou ao colapso barragens a montante na mina El Cobre do Chile, matando mais de 200 pessoas. Cinco anos mais tarde, um decreto foi aprovado proibindo barragens a montante, em determinadas circunstâncias. Em 2007, as regras foram revisadas para uma proibição total.
Mesmo após o gigante terremoto do Chile de 2010, barragens a jusante permaneceram de pé.
A indústria de mineração tem argumentado que o Chile é uma exceção, devido à alta atividade sísmica que não acontece em países como Brasil ou Austrália.
Mas Raul Espinace, um engenheiro e acadêmico que nos últimos 40 anos tem estado na vanguarda da política de barragens de rejeitos no Chile, disse que as regras implementadas no país iriam melhorar a segurança em todo o mundo, especialmente em lugares como o Brasil, que têm uma regulação fraca.
"Este é precisamente o momento certo para fazer mudanças no Brasil", afirmou Espinace.
RESISTÊNCIAS
As propostas de mudanças regulatórias aparentemente irritaram a Vale, maior produtora global de minério de ferro e uma das maiores mineradoras do mundo.
Em março, enquanto Minas Gerais já trabalhava para tornar as regras mais rígidas, a Vale expôs em uma audiência pública dificuldades para conseguir licenciamentos de determinados projetos, por uma morosidade por parte da autoridade ambiental.
A empresa afirmou que uma consequência da não obtenção dessas licenças seria um corte de produção de 100 milhões de toneladas de minério por ano nos próximos três anos, cerca de 8 por cento do mercado transoceânico global e 50 por cento da produção da companhia no Estado mineiro.
A Vale apontou ainda que as licenças garantiriam o emprego de milhares de pessoas, mas não mencionou especificamente as mudanças regulatórias devido a Samarco.
Na ocasião, Abreu, da Semad, admitiu que praticamente todas as licenças avaliadas estavam atrasadas, mas ressaltou que isso estava mais ligado a um problema estrutural do sistema do que ao rompimento da barragem da Samarco.
Questionada sobre o posicionamento diante das barragens a montante, a Vale disse à Reuters que "qualquer método de construção de barragens é seguro, o que os diferencia é o modelo operacional".
Para a empresa, o método de construção de uma barragem é determinado principalmente em função de aspectos técnicos. A empresa frisou que atua com toda segurança, seguindo as regras vigentes, e trabalha constantemente para aprimorar práticas.
Especialistas resistentes em proibir a técnica a montante admitem que as barragens exigem um funcionamento mais cuidadoso.
Joaquim Pimenta da Ávila, o consultor que projetou a barragem da Samarco, diz que mudanças no projeto foram feitas mais tarde independentemente de sua orientação. Ele explicou que as barragens a montante são seguras, desde que sejam corretamente monitoradas.
"A chave é garantir que a regulação funcione", disse ele.
Mas o regulador do Brasil sofre de falta de recursos.
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) tem apenas 20 pessoas para monitorar as minas do Brasil, incluindo 663 barragens de rejeitos. Apenas um Estado no Canadá, British Columbia, tem oito engenheiros especializados para 68 barragens de rejeitos, e uma recente auditoria disse que ainda não era o suficiente.
"A força de trabalho é um problema sério. Nós não podemos fazer tudo", disse o diretor de regulação do DNPM, Walter Arcoverde. O governo não se comprometeu a melhorar o financiamento do órgão ou a quantidade de empregados.
"Isso está sendo discutido."