Jaime Velázquez.
Maputo, 15 jul (EFE).- As prospecções de gás em Moçambique, que poderiam transformar o país no maior produtor da África, ameaçam destruir ecossistemas virgens de grande valor, ainda desprotegidos, segundo os ecologistas.
As águas e o litoral da província moçambicana de Cabo Delgado, na fronteira norte com a Tanzânia, guardam um tesouro: um dos ecossistemas melhor conservados da África meridional, onde, em 2009, foram descobertas novas espécies de fauna e flora.
Mas o verdadeiro botim, o que atraiu empresas multinacionais para uma das regiões mais pobres de Moçambique, fica mais abaixo, no subsolo, em uma bolsa de gás natural de 60 trilhões de pés cúbicos (cerca de 169 milhões de metros cúbicos).
Aos 40 trilhões de pés cúbicos descobertos pela empresa italiana Eni, juntou-se, no mês de maio, a nova jazida de 20 trilhões da companhia americana Anadarko.
As descobertas de carvão e gás, e as prospecções de petróleo, transformaram Moçambique "na nova Angola", país que em 2007 ficou na ponta das listas de crescimento econômico mundial graças à produção de petróleo.
O último Relatório de Inteligência da revista "The Economist" estima que os projetos de gás natural de Cabo Delgado atrairão nos próximos anos US$ 68 bilhões, entre os US$ 18 bilhões previstos pela Anadarko e os US$ 50 bilhões da Eni.
O investimento total no setor minerador e de energia em Moçambique alcançará US$ 90 bilhões nos próximos dez anos, sete vezes o atual Produto Interno Bruto do país.
Os ecologistas alertam, no entanto, dos riscos do "boom" energético e de seu impacto sobre os delicados ecossistemas litorais moçambicanos.
"As prospecções de petróleo e gás são uma preocupação, apesar dos estudos ambientais, já que os planos não estão bem feitos", assegura à Efe Roberto Zolho, coordenador regional da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e membro do Fundo Mundial de Flora e Fauna (WWF).
"É uma ameaça real: nos distritos de Palma e Nangade (Cabo Delgado), estão sendo feitas prospecções - explica Roberto -, e há um projeto de liquidificação de gás, que pode afetar espécies ainda a serem descobertas".
"Em 2009, achamos uma variedade enorme de espécies desconhecidas nessa região, onde estão sendo feitas prospecções, e ainda não existem medidas de proteção nessas áreas", lamenta Roberto.
Os distritos de Palma e Nangade carecem de medidas especiais de conservação, embora se encontrem a cerca de 200 quilômetros do Parque Natural das Quirimbas, a reserva mais antiga de Moçambique, criada em 2002 e que inclui sistemas litorâneos e 11 ilhas de coral.
O ecologista moçambicano diz que a falta de um controle adequado do novo setor energético afetará os mamíferos aquáticos, mas também as florestas litorais do norte do país.
"A ausência de estudos específicos pode nos fazer perder espécies de fauna e flora", alerta Roberto.
O litoral de Cabo Delgado abriga mangues e florestas, e suas barreiras de coral são o habitat de tartarugas marinhas, dugongos (espécie parecida com o peixe-boi), golfinhos, baleias corcundas e várias espécies de tubarões e arraias.
Para o ecologista moçambicano, "há também muitas empresas oportunistas, que aproveitam a presença das grandes companhias para instalar indústrias de apoio sem estudos ambientais".
"É muito importante que façamos valer as regras e os contratos", conclui.
A maioria dos projetos permanecem em estado embrionário, e só estarão concluídos em um prazo de dez anos, segundo "The Economist".
Mas as estradas, os cabos elétricos e as indústrias de apoio já estão sendo instalados para inaugurar a "febre do gás": um negócio que mudará, para bem ou para mal, a cara de Moçambique. EFE
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