Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Após o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG), as hidrelétricas do Rio Doce podem ficar paralisadas por "meses", segundo especialistas ouvidos pela Reuters, que não souberam precisar quanto tempo seria necessário para que a água fique limpa o suficiente para gerar energia.
Quatro hidrelétricas suspenderam operações após o desastre em 5 de novembro, em um total de cerca de 790 megawatts em potência. Duas das usinas pertencem à Aliança, uma parceria entre Cemig (SA:CMIG4) e Vale, enquanto uma é da EDP (SA:ENBR3) Energias do Brasil e outra tem como sócios Neoenergia, Cemig e Furnas, da Eletrobras (SA:ELET3).
Segundo o professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Geraldo Lúcio Tiago Filho, é preciso esperar que a lama e os sedimentos passem pelo rio ou assentem no fundo do reservatório para então analisar se a qualidade da água permite a retomada da operação nas usinas.
"Se essa água passar assim pelas turbinas, vai trazer prejuízo às máquinas... é preciso esperar o nível de sedimentos na água chegar a condições aceitáveis. Pelo menos alguns meses vai demorar", disse Tiago Filho.
A diretora da Engenho Consultoria, Leontina Pinto, também mostrou preocupação com eventuais danos que a condição das águas no Rio Doce poderia causar nas usinas.
"Vai demorar muito tempo para que as turbinas (dessas hidrelétricas) possam rodar em condições mínimas de segurança, sem comprometer a vida útil dos equipamentos", apontou.
Além das usinas que estão paradas, uma pequena hidrelétrica do Grupo AVG, com 1,8 megawatt, foi totalmente destruída pela lama que tomou o Rio Doce logo no mesmo dia do estouro da barragem.
ACIDENTE IMPREVISÍVEL
Uma paralisação por um longo período nas hidrelétricas do Rio Doce poderia gerar prejuízos comerciais para as concessionárias, com penalidades devido à indisponibilidade da energia, mas técnicos ouvidos pela Reuters acreditam que a imprevisibilidade do acidente facilitará a obtenção de tratamento diferenciado para as usinas.
"Do ponto de vista comercial, não vejo grandes impactos... não só pelo tamanho, mas pela origem do problema, deve haver uma análise, e existem critérios para expurgar eventos como esses. O problema é mais a despesa para regularizar a situação das usinas", afirmou à Reuters o diretor de uma instituição do setor, sob condição de anonimato.
O diretor da consultoria PSR, Rafael Kelman, também vê poucas chances de penalização às donas das usinas.
"Provavelmente, por ser um caso de força maior, elas conseguirão um excludente de responsabilidade... conseguiriam anular todas penalidades", afirmou.
Ele lembrou, no entanto, que a Vale é uma das acionistas da Samarco, junto com a anglo-australiana BHP Billiton, e teve usinas afetadas. "É um caso curioso em que 'força maior' talvez não se aplique, pelo menos para um dos sócios".
DANOS DE LONGO PRAZO
Mesmo quando a água ficar mais limpa e permitir a retomada da operação, no entanto, as hidrelétricas podem ter perdas na capacidade devido à acumulação de sedimentos e resíduos no fundo dos reservatórios, alertam os especialistas.
"Diminui a capacidade de geração... as hidrelétricas terão um menor volume útil, menos água para garantir a operação em épocas de estiagem", alertou Tiago Filho, da Unifei.
O professor afirmou que será necessário "dragar" os reservatórios, com o uso de máquinas feitas especialmente para limpar os lagos --um processo que deve ser longo e demorado devido à complexidade do acidente em questão.
"Não são sedimentos comuns no rio, são resíduos de mineração, metais pesados... é diferente do procedimento normal em uma hidrelétrica. Vai ter que adaptar os equipamentos a essa nova situação", explicou.
Procuradas, Vale e Cemig direcionaram os questionamentos à Aliança, que não retornou o contato imediatamente.
A EDP Energias do Brasil disse que não iria comentar a situação de sua usina, enquanto a Samarco não se manifestou.
SUPRIMENTO SEM AMEAÇA
Do ponto de vista de oferta de energia, mesmo uma pausa longa na operação das hidrelétricas do Rio Doce não chega a preocupar.
"A perda de produção de energia não é suficiente para abalar a operação do Sistema Interligado Nacional", afirmou Rafal Kelman, da PSR.
As usinas paradas devido ao rompimento da barragem representam apenas 0,5 por cento da capacidade do sistema brasileiro, segundo dados da Aneel.