Por Kate Abnett e Jake Spring
BRUXELAS (Reuters) - A União Europeia concordou nesta terça-feira com uma nova lei para impedir que empresas vendam para o mercado da UE commodities ligadas ao desmatamento em todo o mundo, o que poderia atingir o comércio de carne bovina, soja e café.
A lei exigirá que as empresas apresentem uma declaração de diligência mostrando que suas cadeias de suprimentos não estão contribuindo para a destruição de florestas antes de venderem mercadorias para a UE --ou poderão enfrentar multas pesadas.
"Espero que esta regulamentação inovadora dê impulso à proteção das florestas em todo o mundo e inspire outros países", disse o principal negociador do Parlamento Europeu, Christophe Hansen.
O desmatamento é uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa que impulsionam a mudança climática e estará em foco em uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre biodiversidade nesta semana, na qual países buscarão um acordo global para proteger a natureza.
Negociadores de países da UE e o Parlamento Europeu fecharam o acordo sobre a lei nesta terça-feira.
Ela se aplicará à soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau e café, e a alguns produtos derivados, incluindo couro, chocolate e móveis. Borracha, carvão e alguns derivados de óleo de palma foram incluídos a pedido dos parlamentares da UE.
As empresas precisarão mostrar quando e onde as commodities foram produzidas e informações "verificáveis" de que não foram cultivadas em terras desmatadas após 2020.
O não cumprimento pode resultar em multas de até 4% do faturamento de uma empresa em um Estado-membro da UE.
Países afetados pelas novas regras, incluindo Brasil, Indonésia e Colômbia, dizem que elas são onerosas e caras. A certificação de fornecimento também é difícil de monitorar, especialmente porque algumas cadeias podem abranger vários países.
No Brasil, o país responsável pelo maior desmatamento, alguns defensores do meio ambiente elogiaram a lei, mas também disseram que ela não foi longe o suficiente. A lei não estendeu a proteção como era esperado a "outras terras arborizadas", mas não são florestas densas e fechadas.
Isso significa que 600 mil quilômetros quadrados do Cerrado --a fronteira de expansão agrícola que mais cresce no Brasil-- não estariam sujeitos à lei, de acordo com o Instituto Cerrados, sem fins lucrativos. Essa é uma área quase tão grande quanto a Ucrânia.
"A União Europeia acha adequado consumir produtos vinculados à perda da savana mais biodiversa do mundo? Isso não parece inteligente", disse Yuri Salmona, diretor do Instituto Cerrados.
A UE disse em um comunicado que verificará se deve adicionar proteções para "outras terras arborizadas" em um ano e outros ecossistemas críticos em dois anos.
Grupos de brasileiros e europeus também criticaram sua exigência de que as empresas provem que respeitam os direitos dos povos indígenas --mas apenas se esses direitos já estiverem legalmente protegidos no país produtor.
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil respondeu referindo-se a uma declaração anterior de que estava preocupado que a proteção ambiental pudesse ser usada como pretexto para a imposição unilateral de restrições discriminatórias ao comércio. A pasta afirmou que aguarda a publicação do texto integral da lei para uma análise mais aprofundada.
A associação de exportadores de café do país, Cecafé, disse respeitar as preocupações ambientais globais, mas teme que o progresso da indústria em direção à produção sustentável não esteja sendo devidamente reconhecido.
Os países da UE e o Parlamento Europeu precisam agora aprovar formalmente a legislação. A lei pode entrar em vigor 20 dias depois, após os quais as grandes empresas têm 18 meses para se adequar e as pequenas empresas 24 meses.
Os países membros da UE serão obrigados a realizar verificações de conformidade abrangendo 9% das empresas que exportam de países com alto risco de desmatamento, 3% de países de risco padrão e 1% de países de baixo risco.
A UE disse que trabalharia com os países afetados para aumentar sua capacidade de implementar as regras.
(Reportagem de Kate Abnett em Bruxelas e Jake Spring em São Paulo; reportagem adicional de Roberto Samora e Ana Mano)