O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem déficit nominal quase igual ao registrado na situação mais crítica da pandemia de covid-19. O impacto econômico provocado pelas enchentes no Rio Grande do Sul deve piorar a trajetória dos gastos públicos. Os programas sociais e a suspensão no pagamento da dívida do Estado vão aumentar a dívida bruta do governo, que em março foi de 75,7% do PIB (Produto Interno Bruto).
O resultado nominal considera o saldo das receitas e despesas da União e inclui o pagamento dos juros da dívida bruta. O Congresso aprovou uma medida apresentada pelo governo para excluir os gastos com o Rio Grande do Sul do cálculo das principais regras fiscais, por exemplo do marco fiscal sancionado em agosto de 2023. Portanto, as despesas com o RS não serão contabilizadas na meta de resultado primário, que exclui o pagamento dos juros da dívida.
Mesmo assim, a expansão de gastos fora das regras fiscais vai aumentar a dívida pública. No Boletim Focus, do Banco Central, os analistas do mercado financeiro aumentaram a projeção de 79,75% (estimativa da semana anterior) para 80% do PIB. Com a sinalização do Copom (Comitê de Política Monetária) em cortar a Selic em 0,25 ponto percentual, será mais caro custear os juros da dívida.
A mediana das estimativas também piorou para os anos seguintes:
- 2025: de 76% para 76,15% do PIB;
- 2026: de 77,5% para 78% do PIB;
- 2027: de 75% para 76% do PIB.
Dados do Banco Central mostram que o deficit nominal do Brasil foi de R$ 998,6 bilhões no acumulado de 12 meses até março. O patamar mais baixo foi em janeiro de 2021, quando atingiu R$ 1,016 trilhão.
O governo anunciou também a suspensão da dívida do Rio Grande do Sul e de municípios do Estado por 3 anos. Isso resultará em impacto de R$ 23 bilhões no período.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que, desse valor, R$ 11 bilhões são por causa do adiamento e R$ 12 bilhões, do não pagamento de juros.
Além disso, o governo liberou R$ 12 bilhões em créditos extraordinários na MP (Medida Provisória) 1.218 de 2024. No total, R$ 35 bilhões foram anunciados fora das regras fiscais.
O governo também estuda programas para beneficiar diretamente a população do Estado. Ainda não há estimativas sobre o custeio. Portanto, não há definição de qual será o custo total para mitigar os efeitos das chuvas no Rio Grande do Sul.
As enchentes no Rio Grande do Sul terão impacto negativo sobre o crescimento econômico do Estado e, consequentemente, do país. Isso também resutará em relação dívida-PIB pior do que a esperada anteriormente. O Poder360 mostrou que as chuvas podem reduzir o ritmo de crescimento do PIB em até 0,4 ponto percentual neste ano.
O Banco ABC Brasil (BVMF:ABCB4) disse que os gastos projetados de 0,2% do PIB parecem ser “subestimados”. Disse que o furacão Katrina custou cerca de 1% do PIB dos EUA à época. “É mais um fator de risco a tensionar as preocupações com o quadro fiscal no Brasil – principalmente em termos de dinâmica da dívida e credibilidade do arcabouço fiscal”, disse relatório do banco.
A agência de risco Moody’s disse que o aumento de gastos torna as metas fiscais do país mais desafiadoras. Aumentou de 0,5% para 0,75% do PIB (Produto Interno Bruto) a projeção de deficit primário da União. O rombo nominal será de 6,7% do PIB, segundo o documento, acima do 6,2% projetados anteriormente.
A Moody’s havia anunciado em 1º de maio deste ano a mudança de “estável” para “positiva” a perspectiva da nota Ba2 do Brasil.
A agência escreveu: “As despesas de emergência testarão a capacidade do governo central para fazer face às necessidades de despesas adicionais, ao mesmo tempo que tenta alcançar a consolidação fiscal”. Afirmou, porém, que o pacote fiscal é significativamente menor que o adotado na pandemia, de 8% do PIB de gastos, com deficit de quase 12% do PIB.
“O efeito das inundações nos gastos emergenciais relacionados às contas fiscais e à trajetória da dívida do Brasil ainda são administráveis”, disse o relatório.
A Moody’s estima um resultado fiscal melhor em 2024 que em 2023, mas avalia que o governo terá de “abordar outras medidas para alcançar as metas fiscais nos anos seguintes”. “As enchentes sem precedentes no Rio Grande do Sul ressaltam a importância de prosseguir na consolidação fiscal e redução da rigidez dos gastos para manter reservas fiscais”, escreveu.
O economista Gabriel Leal de Barros disse ao Poder360 que é “questionável” o governo ter retirado os gastos com o Rio Grande do Sul do cálculo das metas de resultado primário. Segundo ele, o aporte de recursos da União não tem questionamentos sobre o mérito, mas a forma que está sendo feita.
CRÍTICAS E RESPOSTA
Os ex-presidentes do Banco Central Pérsio Arida (1995) e Pedro Malan (1993-1995) criticaram a política fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Pérsio defendeu que o tripé macroeconômico está “manco” por causa da gestão de gastos do governo.
Em resposta, Haddad declarou que o país convive com 10 anos de deficit no Brasil. Disse que houve rombo de R$ 2 trilhões em uma década. “Isso não favorece um crescimento maior da economia brasileira. O que está garantindo o crescimento econômico é justamente nós fazermos o que nós estamos fazendo, recompondo a base fiscal do Estado brasileiro que foi erodida ao longo desses anos”, disse o ministro.
Haddad falou que o governo também ataca as renúncias fiscais e as distorções do sistema tributário. “Nós herdamos uma situação difícil”, declarou. “O projeto de lei orçamentária do governo anterior já previa um deficit da ordem de R$ 138 bilhões, [com] R$ 63 bilhões explícitos e mais um tanto implícito, pelo fato de não ter considerado despesas que estavam contratadas”, completou.
Também em resposta às críticas dos ex-presidentes do Banco Central, Haddad disse que a carga tributária aumentou de 26% para 32% do PIB no período do Plano Real. Afirmou que houve um “esforço terrível” da sociedade para conseguir estabilizar a moeda.
Indagado se o governo conseguirá cumprir a meta de zerar o deficit primário em 2024, Haddad respondeu que vai “perseguir” esse objetivo. Disse que a “disciplina vai continuar” e que vai interagir com o Judiciário e Legislativo em torno do “pacto pelas contas públicas”.
“Nós já somos a 9ª economia [global]. Estamos atraindo mais uma vez investimentos. Sem desconsiderar as dificuldades do momento e os desafios que estão colocados, eu sou uma pessoa otimista em relação ao Brasil”, declarou Haddad.