Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Associações que representam investidores de diversos segmentos da indústria de energia elétrica do Brasil uniram esforços para convencer o governo a revisar o atual marco regulatório do setor, implementado no início do governo Lula pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff.
A movimentação em fase inicial, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vem em um momento em que o país enfrenta, como resultado de dois anos de seca, uma crise de suprimento, com níveis baixos nos reservatórios das hidrelétricas. Além disso, há diversas brigas judiciais com empresas e consumidores devido à forte elevação de custos resultante do intenso uso de termelétricas caras para evitar um racionamento.
O objetivo das associações, que reúnem agentes de geração, distribuição e comercialização de eletricidade, é que Aneel autorize o uso de recursos que as empresas obrigatoriamente destinam a projetos de pesquisa e desenvolvimento para contratar junto a consultorias e universidades um grande estudo sobre possíveis avanços na regulamentação.
"É um ajuste em determinados pontos do modelo do setor elétrico. O modelo, afinal de contas, já tem mais de dez anos, e estamos sentindo que alguns pontos precisam ser revisados, até porque as condições do setor mudaram muito", disse à Reuters o presidente da Associação Brasileira de Autoprodutores de Energia (Abiape), Mário Menel.
Segundo Menel, escolhido interlocutor das empresas junto ao governo, questões como a formação dos preços da energia no mercado de curto prazo, as regras para lidar com eventuais déficits de geração nas hidrelétricas, a metodologia para definição de preços teto em leilões e mesmo questões ligadas a licenciamento ambiental poderiam entrar no âmbito do estudo.
A Aneel confirmou à Reuters, por meio da assessoria de imprensa, que "a movimentação existe, mas está em fase bem inicial de discussão". O regulador afirmou que, por isso, não comentará o assunto neste momento.
O Ministério de Minas e Energia, também em nota, elogiou o atual marco regulatório, mas não descartou mudanças.
"O modelo do setor elétrico, introduzido em 2004, foi vitorioso no sentido de aportar competitividade e eficiência para os projetos em energia... apesar disso, o modelo sempre esteve aberto a aperfeiçoamentos."
O presidente da Abradee, associação que reúne distribuidoras de energia, Nelson Leite, afirmou à Reuters que o objetivo é que em dois meses após o início do estudo seja possível divulgar um relatório com conclusões parciais, enquanto o resultado final sairia em 18 meses.
"A ideia é produzir aperfeiçoamentos no modelo, ao invés de ficar fazendo alterações pontuais. Fazer aperfeiçoamentos que deem mais sustentabilidade ao modelo, aproveitar as coisas boas, mas identificar as lacunas e possíveis melhorias", explicou.
AJUSTES PONTUAIS JÁ NO RADAR
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal de planejamento do Ministério de Minas e Energia, Mauricio Tolmasquim, disse à Reuters que tomou conhecimento do pleito das empresas, mas afirmou que a EPE não está envolvida na discussão e nem defende uma revisão das regras.
"Não tem nenhum estudo, tem só questões pontuais que temos visto ao longo do tempo. Nenhuma revisão maior, grande... a concepção central do modelo, os pilares, não são alterados", afirmou.
Tolmasquim foi o coordenador, junto com a então ministra Dilma Rousseff, de um grupo formado em 2003 para discutir mudanças nas regras do setor elétrico, que vinha de um racionamento em 2001. O trabalho resultou na concepção do atual marco regulatório.
O presidente da EPE disse que entre os aperfeiçoamentos hoje discutidos está a transferência do risco de déficit de geração das hidrelétricas para o consumidor e o incentivo para que distribuidoras contratem em leilões energia gerada em prédios comerciais e industriais, com painéis solares nos telhados ou gás, por exemplo.
Além disso, ele não descartou dar mais tempo para a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, para evitar problemas como os atualmente enfrentados pelas usinas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, que discutem com a Aneel para não pagar pesadas multas por atraso.
"Pode ser que para essas usinas estruturantes possa aumentar um pouco o prazo, mas isso é uma coisa que precisa ser analisada", disse.
Em um livro publicado em 2011, no qual aborda a criação do marco regulatório para energia elétrica, Tolmasquim conta que, quando chegou ao governo, discutia-se um modelo no qual a estatal Eletrobras (SA:ELET3) centralizaria toda a contratação de energia do país, uma proposta que considerou "muito centralizadora" e "um grande risco para os investidores".
Segundo ele, essa ideia foi deixada de lado e discutiu-se, então, uma nova concepção, que "combina planejamento com competição e investimento estatal e privado".
Um dos principais pontos da mudança de regras então implementada foi a realização de leilões federais para a contratação de energia pelas distribuidoras, nos quais fecham contratos de venda as usinas que ofertam o menor preço final para o consumidor.
No mês passado, o governo abriu mão dessa regra para licitações de hidrelétricas já existentes, cujo contrato de concessão venceu e não foi renovado. A Medida Provisória 688, publicada em 18 de agosto, autoriza a cobrança de bônus de outorga nesses leilões, uma medida que vai onerar o custo final da energia dessas usinas.
Em compensação, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, estimou que as outorgas podem representar uma arrecadação de 17 bilhões de reais para os cofres públicos, ajudando o governo a fechar as contas.