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Mortes na fila: o drama da busca por leitos de UTI no pior momento da Covid no país

Publicado 29.03.2021, 19:19
© Reuters. Caixão com morto por coronavírus em Piratininga (SP)

Por Stephen Eisenhammer

PIRATININGA, São Paulo (Reuters) - José Roberto Inácio passou grande parte de sua vida transportando doentes e feridos para o hospital da cidade paulista de Piratininga.

Na quarta-feira, 10 de março, o motorista de ambulância aposentado percorreu novamente o caminho usual – desta vez como passageiro, com falta de ar.

No fim de semana seguinte, os rins do homem de 63 anos começaram a falhar. Ele precisava de hemodiálise, precisava de tratamento intensivo.

Mas no pequeno hospital onde estava sendo tratado faltavam até mesmo suprimentos médicos básicos, como sonda. Ele entrou na fila para conseguir uma vaga em uma unidade de terapia intensiva (UTI), mas os médicos disseram à família que, naquela região do Estado, já havia 70 pessoas aguardando na fila.

Bauru, a cidade grande mais próxima, tinha 50 leitos de terapia intensiva - e todos estavam ocupados.

Inácio morreu aguardando.

"Ele deu a vida por aqueles, tentou salvar muita gente, mas na hora que ele precisou que o salvassem, não havia nada para ele", disse à Reuters o filho de Inácio, Roberto, de 41 anos, com os olhos vazios, em choque. "Você vê uma pessoa morrendo e não pode fazer nada."

Inácio foi uma das 3.251 vítimas da Covid-19 no Brasil no dia 23 de março, até então o maior número de mortes diárias desde o início da pandemia. Quase uma em cada três mortes por Covid-19 no mundo naquele dia ocorreu no país. Inácio foi uma delas.

"Ele se tornou uma estatística", disse o filho.

Enquanto grande parte do mundo parece estar saindo do pior momento da pandemia, o sistema de saúde brasileiro entra em colapso.

De acordo com dados públicos, existem mais de 6.000 pessoas esperando por um leito de UTI em todo o país. Em 15 Estados, a taxa de ocupação dos leitos está em 90% ou mais, no momento em que a variante brasileira vem alimentando uma segunda onda muito mais mortal do que a primeira.

Mesmo em São Paulo, com uma ampla rede de hospitais públicos, dezenas de pessoas estão morrendo na fila das UTIs.

Apesar da crise, o presidente Jair Bolsonaro continua minimizando a importância das medidas de isolamento social. Raramente usa máscara e já disse que não planeja se vacinar.

O Brasil, antes elogiado por suas conquistas na saúde pública, também tem demorado para garantir vacinas aos seus 210 milhões de habitantes. Menos de 10% dos adultos receberam a primeira dose e apenas 3% estão totalmente vacinados.

Os epidemiologistas temem que o pior ainda está por vir.

"Isso será devastador", disse Albert Ko, professor da Yale School of Public Health com décadas de experiência no Brasil. "A menos que haja uma mudança nas políticas dos governos federal e estadual, no sentido de implementar lockdowns eficazes, estamos diante de uma verdadeira crise humanitária".

SILÊNCIO

Um outdoor enorme de Bolsonaro recebe os visitantes de Bauru, uma cidade de 400.000 habitantes, a cerca de quatro horas de carro de São Paulo.

A prefeita, Suéllen Rosim, protestou contra medidas restritivas e se alinhou ao presidente. No mês passado, ela desobedeceu a um decreto do governo estadual para fechar comércios não essenciais, permitindo que muitos continuassem abertos, apesar do surgimento de novos casos de Covid-19.

Uma decisão judicial a forçou a respeitar a medida, mas ela continua argumentando que lockdowns são ineficazes, apesar das evidências de que a iniciativa funcionou ao redor do mundo.

"Não há coisas científicas que comprovem que, se eu trancar todo mundo em casa, está tudo bem", disse à Reuters. "Estou com bares e restaurantes fechados há semanas e os números não param de crescer."

Ela culpou o Estado pela falta de UTIs.

Em resposta, o governo de São Paulo disse que está trabalhando para aumentar o número de leitos hospitalares em Bauru e em toda a região. O governo estadual criticou a prefeitura, afirmando que não financia um único leito de terapia intensiva.

"A Prefeitura também é responsável por esta ampliação de Terapia Intensiva e deve fazer sua parte", disse o governo em nota à Reuters.

Em Bauru, na linha de frente, os médicos estão exaustos; com falta de pessoal e poucos recursos para enfrentar a maré implacável de infecções.

"No SUS, a gente vem falando há muitos meses sobre o perigo do colapso”, disse Fred Nicácio, médico que atende pacientes com Covid-19 em Bauru. “Infelizmente, esse momento chegou.”

Ambulâncias cruzam a cidade carregando pacientes ligados a cilindros verdes de oxigênio, com seus pertences em sacos de lixo pretos apoiados aos pés.

Um paciente na casa dos 40 anos, entre respirações concentradas, dizia que agora entendia que o vírus não era uma piada, enquanto os médicos o levavam para o hospital.

Os leitos são tão escassos em Bauru que parentes desesperados estão recorrendo aos tribunais, contratando advogados para obter liminares que obriguem hospitais - públicos ou privados - a receber pacientes.

Mas os advogados não podem criar leitos de UTI onde não existem. Mesmo os hospitais privados estão em dificuldades, às vezes implorando ao setor público, para retirar os pacientes que precisam de cuidados intensivos de suas listas de espera.

O filho de Inácio é assombrado pela crença de que a morte do pai poderia ter sido evitada. Se a vacina tivesse chegado a tempo, se seu hospital fosse melhor equipado, se um leito de UTI estivesse disponível.

Quarta-feira, dia 17, uma semana depois de entrar no hospital que conhecia tão bem, Inácio foi enterrado.

Quatro homens em trajes de proteção brancos transportaram seu corpo em uma minivan por dois quarteirões até chegar ao cemitério. Eles conduziram o caixão de madeira entre as fileiras de mortos para um buraco na terra vermelha.

© Reuters. Caixão com morto por coronavírus em Piratininga (SP)

Nenhuma palavra foi dita. O único som foi o arranhar de argamassa e tijolos quando o túmulo foi selado.

De longe, seu filho assistia.

(Reportagem de Stephen Eisenhammer; reportagem adicional de Leonardo Benassatto)

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